
É necessário ter paciência para encarar a onda de filmes que gastam tanto tempo pra dizer tão pouco.
“A Substância” tem duas horas e vinte minutos de duração. Duas horas e vinte minutos em que os efeitos especiais, as maquiagens e as caracterizações monstruosas progridem de maneira incrível. Mas a história, essa estaciona na metade, quando a apresentadora de tevê interpretada por Demi Moore, demitida por ser considerada velha demais, descobre uma fórmula para duplicar-se, passa a ser jovem e velha a um só tempo e, por falta de equilíbrio, começa a se dar mal nas duas transfigurações de sua vida.
Tudo isso, mais a ousadia de simular as simetrias, os corredores e as imensas salas que o diretor Wes Anderson copiou do Stanley Kubrick de “2001”, fazem deste filme um caso especial. A música de Richard Strauss, que é uma sacada de Kubrick no seu filme de 1968, vira um penduricalho ao fim deste “A Substância”, como se a cineasta francesa Coralie Fargeat, de 58 anos, candidata ao Oscar de melhor direção, quisesse fixar sua referência principal no velho Kubrick. (De pretensão também se vive.)
Se tivesse uma hora, “A Substância” seria bom? Vai ver que não. Ele precisa de muito tempo para ser o que já é, uma grotesqueria arredondada, polida como no filme “Barbie”, com toda a misantropia a dar o tom. Dennis Quaid, por exemplo, interpreta um patrão escroto, mas com os maneirismos do pianista gay Liberace. Pelo jeito é assim, hoje em dia, que se caricaturiza um machão.
“A Substância” é o grotesco entregue aos lares do streaming. Um grotesco aprofundado conforme a trama se passa e que, infelizmente, põe o filme a perder. Uma tendência, aliás, que se verifica abundante nesta “safra Emília Pérez” dos candidatos ao Oscar 2025: na primeira hora, o diretor arruma as premissas; na segunda, trata de derrubá-las.
É um filme de horror ou de comédia? Eu ri bastante no fim. Não são assim os filmes em que os adolescentes dos Estados Unidos vão a um acampamento, decidem sair à noite e dão de cara com o Freddy Krueger ou a serra elétrica? Um horror risível – ou, como dizia o diretor brasileiro Ivan Cardoso, um “terrir”. Mas, no caso de “A Substância”, um terrir chique, embelezado por pingentes de safira e sapatos Louboutin a enfeitar as atrizes.
Não é um filme para criticar os padrões da beleza juvenil a esmagar as mulheres maduras. É um filme para acabar com todas as mulheres, jovens ou velhas. No mundo de garanhões efeminados, não sobra nada para a mulher ser, se a gente levar “A Substância” a sério (e talvez devesse).
Demi Moore, candidata ao Oscar como melhor atriz, está muito bem em seu papel, consideradas as circunstâncias. E, ao contrário do que imagina, possivelmente ela seja uma das melhores intérpretes “pipoca” disponíveis, o que não representa um demérito. A “pipoca” a que um agente a condenou no passado, e que tanto a magoou, a ponto de ela destacar o fato no discurso de agradecimento por seu Globo de Ouro, é uma qualidade rara e bem-vinda no cinema. Não é fácil destacar-se, para o bem, em filmes populares medianos ou ruins.
Só acho que Margaret Qualley, que interpreta o duplo de Demi, mereceria uma indicação ao Oscar também. É uma atriz de muitas qualidades, que pode ir da garota ingênua e sensual à francamente desesperada e má, com a devida densidade de drama e humor.