
panos célebres na praça Dom José Gaspar
No caminho para a ginástica das terças-feiras, esta que hoje nem mesmo haveria (a memória, como de uso, me traiu), deparei mais uma vez com os panos coloridos ao vento, amarrados na grade do respiradouro do metrô. Panos muito famosos. Às vezes são apenas eles, às vezes, a tenda do morador que constrói a instalação. Frequentemente ele deita por ali para se refrescar. O importante, me parece, é que tudo infle e cresça a caminho do céu.
Eis uma atração na praça Dom José Gaspar paulistana que nunca me animei a fotografar, eu que gosto de espiar, pela modesta câmera de telefone, apenas o que normalmente não se vê. Mas hoje foi diferente, porque a instalação vinha retumbante. Azul, amarelo, verde e branco, sim, como o Brasil. Normalmente nos esquecemos desse branco que quer dizer não sei o quê em nossa bandeira conspurcada, e desse azul do céu. Como eu jamais havia visto essa combinação de cores ali, parei para olhar.

da cor na bandeira conspurcada
Ao lado da ventania, apareceu-me o autor. Edvaldo Pereira da Silva, um homem de olhos claros e elegância natural, tem 49 anos e está em São Paulo há trinta. É soldador, mas há três anos, sem emprego, virou um sem-teto da praça, a morar com seus panos e cão sob uma marquise do prédio na rua Bráulio Gomes. Edvaldo se aproximou e me orientou a fotografar seu trabalho, que intitula “Arte sobre o vento”, com o fundo das árvores. (Pode ser “Arte sopra o vento”, um título ainda mais bonito. Edvaldo não tem os dentes da frente e fala rápido, e eu me envergonhei de pedir que repetisse o nome da instalação.)
Ele ganha a vida como artista de rua de obra única, mas sempre variada, a depender dos panos que lhe dão. A gente admira seu trabalho e lhe dá o dinheiro que puder. Ração pra cachorro também é bem-vinda. Como se trata de um homem articulado, perguntei-lhe por que não tentava um novo emprego como soldador. Poderia conseguir um lugar pra morar. Respondeu-me que não. Era melhor trabalhar nisso que lhe dá prazer do que em certos empregos por aí.

Disse-me ser do Piauí. Surpresa, contei-lhe que minha mãe nasceu em Teresina e que, durante a infância e a adolescência, minhas férias eram piauienses. “Em Teresina?”, perguntou. Disse-lhe que não, que ficávamos em Floriano. “Floriano? Sou de Floriano!”, respondeu, sem acreditar (o pequeno vídeo abaixo mostra sua reação). Eu ri muito, o que não chega a ser novidade. Gosto de gargalhar, e alto. Ele sorriu bastante também.
A coincidência, contudo, pareceu-lhe tão extraordinária que ficou me testando. “Rio Parnaíba, certo?” E eu: sim, a gente passeava no cais e comia no restaurante Flutuante. “Do outro lado do rio, ficava Barão de Grajaú?” E eu: isso, no Maranhão. “Sabe aquela torre imensa? Eu pulava do alto, direto no rio.” E eu: nem nadava nele, de medo da correnteza, nunca subi na torre, não!
Ele nasceu no bairro do Matadouro e estudou até a quarta série na Unidade Escolar Djalma Nunes. Saber como foi parar na vizinhança a céu aberto talvez seja tarefa para as próximas vezes. Quis que eu fotografasse a instalação em sua presença, mas demorou bastante tempo para acertar os panos em ascensão, sua obra como deve ser. Tudo leva tempo, tudo o tempo leva. Mostrei-lhe minha foto tirada no cais, durante a adolescência, e ele hesitou em atestar veracidade. “Mas no seu tempo devia ser mesmo assim.”

do Restaurante Flutuante, em Floriano: o rio
Parnaíba separa a cidade piauiense de
Barão de Grajaú, no Maranhão