A moçambicana Paulina Chiziane, primeira mulher africana a receber o Prêmio Camões

Paulina Chiziane em foto de Renato Parada: seus livros são meditações sobre a terra, esse misterioso lugar onde se realizam os sentidos da mulher
Aos 68 anos de idade, a escritora moçambicana Paulina Chiziane tornou-se no dia 5 de maio a primeira mulher africana a receber o Prêmio Camões. A honraria literária, instituída pelos governos de Portugal e do Brasil em 1988, com o objetivo de estreitar os laços culturais entre os vários países lusófonos e enriquecer o patrimônio literário e cultural da Língua Portuguesa, havia sido concedida à escritora moçambicana em 2021. Na ocasião, o júri destacara a vasta produção e a boa recepção crítica da obra desta autora, uma das vozes da ficção africana mais conhecida internacionalmente.
Ao receber seu prêmio em Lisboa, Chiziane lembrou que, vinda “de lugar nenhum”, onde “aprendeu a escrever na areia do chão” e usou “o primeiro par de sapatos com 10 anos”, só poderia se sentir “muito feliz” por ter sido agraciada. “Para quem vem do chão, estar aqui diante do governo português, do governo brasileiro, do corpo diplomático e de várias personalidades é algo que comove profundamente. Caminhei sem saber para onde ia, mas cheguei a algum lugar, que é este prêmio”, disse, antes de agradecer aos seus leitores, “em Moçambique e em todos os países que falam português”.
Em outro trecho, Chiziane discursou pela “descolonização da língua portuguesa”. Após citar alguns exemplos de palavras definidas no dicionário de forma diversa dos seus usos correntes – como “matriarcado”, que aparece como “costume tribal africano” –, ela disse: “A língua portuguesa para ser nossa precisa de um tratamento, de uma limpeza, de uma descolonização.”
Quem ainda não viajou por seus mundos literários, que vá sem hesitar. Seus livros são meditações sobre a terra, esse misterioso lugar onde se realizam os sentidos da mulher, conforme ela os vê. Por conta da grande distância que persiste em nos separar das literaturas africanas de língua portuguesa, mal a conhecemos no Brasil, embora a Companhia das Letras tenha editado aqui três de seus romances, “Niketche: Uma história de poligamia”, “Ventos do Apocalipse” e “Balada de Amor ao Vento”.