A melhor do mundo

Para mim era minha boneca Lindinha, mas segundo o criador artesanal que um dia entrevistei, a Barbie seria o brinquedo mais pedagógico que já se fez

Lindinha e eu, filha e mãe

Há muitos anos fiz uma entrevista com um criador de brinquedos artesanal e ele me disse algo surpreendente que não esqueci, eu com minha alma rebelde & hippie: o melhor brinquedo que se compra em loja comercial no mundo é a Barbie.

Por quê? Porque ela propicia a imaginação. Porque vc pode vesti-la como bem imaginar e colocá-la no cenário que achar melhor, criando sua própria personagem. A sua Barbie é sempre sua, não uma figura imposta, com choro ou fala predeterminados.

Passei a olhá-la de um modo diferente desde aqueles anos 1990, quando a reportagem se deu. Mas nunca comprei uma pra mim. Nem para meus filhos. Em lugar disso, enchi-os de bonecos de pano que ocuparam suas infâncias molequeiras.

Eu fazia teatro vivo com eles. Encarnava uma boneca que apelidei Duda Biluca, uma louca completa, transgressora insolente, para que eles morressem de rir e entendessem que a transgressão é uma espécie de loucura sã. Seus bonecos tinham os nomes que eles mesmos escolheram dar: Duda Sapeca Meleca era o magrela, do Dan, e Jack da Massa, o gordinho, do Bê. Tive de costurar inúmeras vezes o Jack, botando-lhe enchimentos, ou o Bê sofreria demais com essa morte infantil. Quando voltava da escola, os olhos brilhavam de saber que Jack estava de volta da cirurgia e passava bem.

Adoro bonecos e gostaria de ter comprado para eles aquelas cozinhas de madeira e uma despensa com mini Maizenas e mini Leites Ninho, que na minha infância de menina eu nunca tive, pelas razões financeiras de sempre. Mas não sei por que não fui atrás disso. Acho que porque eles já tinham dessas coisas no Jardim de Infância e em casa pareciam preferir jogar bola e fazer com que seus bonecos jogassem também (enquanto eu era a massagista na beira do campo).

Na minha infância, quando pedi de Natal uma Susi, cara demais para os meus pais comprarem, eles a substituíram por um mini globo terrestre, que meu pai tentou tornar muito interessante como presente. Gostei dele também, mas a ferida de não ter uma Susi demorou a cicatrizar.

Ainda bebê, como nesta foto, eu ganhei a Lindinha, nascida de uma vaquinha familiar entre minha madrinha e meus pais. Ela era preciosa porque não só de plástico, como as outras que tive: vinha com cabelinho ruivo preso num laço, tinha roupa e sapatinhos, olhos grandes de cinema mudo e o beicinho expressivo, um tanto triste. Eu mesma a batizei e a perdi na praça 14 Bis, aonde meu pai me levava pra correr e fazer molecagens. Ele não se lembrou de pegá-la de volta do banquinho, nem eu.

Levei outra vida pra esquecer de Lindinha, e durante um longo período isso contou como se eu tivesse abandonado uma filha. Até pouco tempo atrás, sonhava que havia esquecido de fato minha bebê com alguém no passado e ela voltava, já moça, para me tratar com indiferença.

Que coisas maravilhosas e às vezes terríveis são nossos brinquedos. Extensões complicadas de nossas existências. Nós mesmos.

Duda Biluca, uma transgressora
para meus nenês

Deixe um comentário