Um programa luminoso

Vale não estar familiarizado com música contemporânea para assistir a “Ligeti, Jocy e Varèse” no Theatro Municipal de São Paulo. A paixão vem, mesmo sem esperarmos por ela.

William Eddins,
o maestro deslumbrante

O programa perfeito para este sábado está no Theatro Municipal de São Paulo, onde tem lugar “Ligeti, Jocy e Varèse” às 17h.

Razões. É a Orquestra Sinfônica Municipal com seu corpo sonoro impressionante. É a ação do maestro estadunidense William Eddins, sua competência, o sorriso, o humor e a entrega contínua de um grande talento. É a presença desta cantora extraordinária do repertório contemporâneo, Gabriela Geluda. É a obra da paranaense Jocy de Oliveira, 87 anos, pioneira da música contemporânea que o mundo aplaude e nós deveríamos conhecer melhor. E é também a obra de outros três grandes, Ligeti, Varèse e o Tchaikovsky valseador da Quinta Sinfonia, tudo numa programação só.

A cantora Gabriela Geluda,
um talento excepcional para as assimetrias contemporâneas

Saí da noite de estreia como quem ouve de novo, vê de novo, envolve-se na música pela primeira vez. Grande Geluda para interpretar essa peça extraordinária de Jocy de Oliveira, “Who cares if she cries?”, de 2003! Um sentimento profundo, uma arte milimétrica, o corpo todo presente na voz. Há 28 anos ela trabalha com Jocy como soprano solo de suas óperas. Apresentou obras da compositora no Brasil, na Alemanha, na Argentina e na França. Protagonizou o filme “Liquid Voices”, premiado em festivais de cinema de Israel, da Polônia, do Chile, da Inglaterra, da Espanha, da França e dos Estados Unidos. Participou da remontagem da ópera “Einstein on the Beach”, de Philip Glass e Bob Wilson, no Baryshnikov Arts Center de Nova York, sob orientação do próprio Bob Wilson. Com bacharelado em canto lírico pela Unirio e mestrado em música antiga pela Guildhall School of Music and Drama (Londres), Gabriela também é qualificada como professora da técnica de Alexander pelo Alexander Technique Studio (Londres). Essa formação é a base do trabalho de integração corpo/voz que desenvolve e aplica em suas práticas artísticas e didáticas há mais de 20 anos. Paralelamente, produz e realiza projetos de música de hoje.

A compositora Jocy de Oliveira explica “Who cares if she cries”, conforme está no programa: “O título desta peça é retirado da letra de uma melodia anônima, elisabetana, do século XVI, que se refere à Ofélia de Shakespeare. A parte vocal é construída por pequenos eventos, citações de textos operísticos e interferências musicais ao discurso instrumental elaborado pelas cordas. De maneira a proporcionar melhor ressonância do instrumento, quatro violoncelos têm uma diferente afinação, mais grave, incluindo quarto de tom. Sem uma métrica restritiva que se estende a uma dimensão mais ampla da noção de tempo, a parte orquestral explora dimensões e técnicas estendidas dos instrumentos através de ‘drones’, que se intercalam por rápidos ornamentos enunciando melodias que nunca chegam a ser reveladas”.

A brasileira Jocy de Oliveira,
leitura contemporânea para uma inspiração elisabetana

Situada na primeira fila, ouvi e vi a interpretação fabulosa de Geluda como se meu corpo sentisse as dores dessa intensa personagem de Jocy, seu choro perplexo, desacreditado de ajuda. A compositora, presente no teatro na sexta 4, foi bastante aplaudida.

Integrante vitalícia da Academia Brasileira de Música, detentora do título de doutor honoris causa, Jocy de Oliveira é pioneira no trabalho multimídia no Brasil envolvendo música, teatro, instalações, texto e vídeo, sendo a primeira entre os compositores nacionais a compor e dirigir suas nove óperas. Como compositora e pianista, gravou 25 discos no Brasil, no México, nos Estados Unidos e na Europa. É autora de cinco livros (“Diálogo com Cartas” recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura). Como pianista, foi solista sob a regência de Stravinsky e apresentou diversas primeiras audições de compositores que a ela dedicaram obras, como Iánnis Xenákis, Luciano Berio, Claudio Santoro e John Cage. Foi solista sob a regência de maestros como Eleazar de Carvalho, Lukas Foss, Sixten Ehrling e Robert Craft, à frente de orquestras como Boston Symphony, Orchestre Philharmonique de Radio France, Oslo Philharmonic e Orquestra Municipal de São Paulo.

Que ocasião para Gabriela Geluda interpretar György Ligeti (1923-2006), um dos mais importantes compositores de vanguarda da segunda metade do século XX! Uma peça às vezes onomatopaica, com a marca persecutória de quem mergulha em uma sociedade do caos. Para interpretar, Geluda apresenta-se vestida como uma espécie de Barbie…

Ligeti partiu da influência de Béla Bartók e Zoltán Kodály para desenvolver um novo estilo, caracterizado por uma densa polifonia que se tornou mais melódica nas obras dos anos 1970 e, a partir da década de 1980, desenvolveu uma técnica polirrítmica complexa. A sua fama foi intensificada pela utilização de suas composições nos filmes de Stanley Kubrick “2001: Uma Odisseia no Espaço”, “O Iluminado” e “De Olhos Bem Fechados”.

Sobre Edgard Varèse (1883-1965): compositor estadunidense de origem francesa, utilizou meios eletrônicos na produção sonora. Buscou novas fontes de sons, trabalhou com engenheiros e cientistas. Seu conceito
de “som organizado” influenciou muitos experimentos em forma e textura. Passou parte de sua vida em Paris, Borgonha e Berlim, emigrando para os Estados Unidos em 1915. Fundou a New Symphony Orchestra, a Associação Internacional de Compositores e a Associação Pan- Americana de Compositores.

E William Eddins? Muito talento. Carisma para dar e vender. Ele faz os instrumentistas da Orquestra Sinfônica Municipal se abrirem em empolgação e sorrisos.

Eddins é o diretor musical emérito da Orquestra Sinfônica de Edmonton e um maestro frequentemente convidado de grandes orquestras em todo o mundo. Compromissos recentes incluem a regência da Philadelphia Orchestra com Yo-Yo Ma e apresentações com a Detroit Symphony e a Minnesota Orchestra em parceria com Wynton Marsalis da Jazz at Lincoln Center Orchestra. Eddins regeu a Filarmônica de Nova York, a Filarmônica de Los Angeles, as sinfônicas de St. Louis, Boston, Cincinnati, Atlanta, Detroit, Dallas, Baltimore, Indianapolis, Milwaukee e Houston. Internacionalmente, Eddins foi o principal maestro convidado da RTÉ National Symphony Orchestra (Irlanda). Também regeu a Staatskapelle Berlin, a Berlin Radio Symphony Orchestra, a Welsh National Opera e a Royal Scottish National Orchestra. Os destaques da carreira incluem levar a Orquestra Sinfônica de Edmonton ao Carnegie Hall em maio de 2012 e liderar a Filarmônica de Natal em turnê na África do Sul com a soprano Renée Fleming. Pianista talentoso e músico de câmara, rege regularmente ao piano obras de Mozart, Beethoven, Gershwin e Ravel. Eddins já se apresentou no Ravinia Festival, no Aspen Music Festival, no Hollywood Bowl, no Chautauqua Festival, no Boston University Tanglewood Institute e na Civic Orchestra of Chicago.

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