
Desde estudante sofri assédio sexual e moral. Como qualquer mulher, suponho.
Na universidade, um professor me reprovou duas vezes, e quase não me formei, porque ele me queria disponível. Dizia que eu escrevia bem, que a ideia do trabalho era boa, mas sempre me desestimulava em algum ponto, me fazendo recomeçar (um sujeito futuramente importante na hierarquia uspiana, devo dizer).
Uma vez, no atendimento para o trabalho final, procurei-o em sala, como o exigido semanalmente a todos os alunos da graduação. Enquanto eu falava, precisei levantar, sobre a camisa, a alça do sutiã que havia descido. Ele achou nessa hora um caminho pra me desqualificar. “Não precisa disso pra passar comigo”, disse, como se levantar a alça do sutiã fosse um sinal de oferecimento sexual.
Entendi na hora que, depois de muitos embates anteriores em torno da defesa de minha pesquisa, ele não mais dispunha de argumentos intelectuais para diminuir sua aluna e tentava a última cartada para derrubá-la. Saí da sala dele para não voltar.
Precisava ainda passar pelo inominável, contudo, se quisesse tirar o diploma. Me inscrevi de novo na disciplina, mas fiquei sem coragem de cursar. Acabei reprovada pela segunda vez. Se isto acontecesse novamente eu seria jubilada, segundo o regimento da universidade então. Fui salva, na terceira tentativa de obter aprovação, pelos próprios colegas. O professor estabelecia a média do trabalho final a partir de duas notas, a dele e a dos alunos. Cientes então de meu problema, os colegas me deram nota 10 final e ele, zero. Passei. Muitos anos depois, o professor me encontrou por e-mail e passou a me mandar suas newsletters, sem mais.
No trabalho, foram assédios morais constantes. Humilhações e tramas de bastidores nascidas do simples fato de eu ser mulher e conseguir desempenhar a contento minhas funções (“homem escreve melhor” era um pensamento verbalizado em redações da minha juventude). Muitos homens e mulheres correram atrás do meu pequeno lugar. E houve assédio sexual também. Um belo dia, na redação de um jornal diário, recebi a mensagem do editor: “Não gostei de você hoje sem batom. Pinte esse bico, por favor.” Mandei ele me procurar na esquina e continuei a fazer meu trabalho sem mais importunações.
Tudo isto para dizer que as coisas mudaram bastante. Na juventude eu não acreditava no recurso da denúncia, que hoje se encontra mais facilmente disponível. Achava que ninguém se fiaria em mim se dissesse o que se passava, logo eu que usava saias curtas. E, se dissesse, eu teria de me desgastar pessoalmente, o que me parecia inconcebível: ou dava meus pontapés ou não fazia nada. Contudo, quando não fiz nada em um caso de constante assédio moral, ocorrido quando eu era já bem madura, sofri. Eu tinha dois filhos em idade escolar, difícil a situação financeira, o equilíbrio existencial. Errei ao me calar.
Hoje penso que, em caso de humilhação no trabalho ou na escola, a denúncia é um bom caminho. Mas se o sujeito tem a mesma hierarquia que você, dê-lhe um chute imediato naquele lugar, passe a denúncia a seus colegas hierárquicos e, principalmente, a seu superior. Você sofrerá menos pesadelos depois.