Sua Walteza, um caubói solitário na América anti-woke

Estava sem internet suficiente para acompanhar a cerimônia de entrega do Oscar 2025. No mato, assistindo a tudo por meu celularzinho de tela instável, com a incrível companhia de Iaiá, de 14 anos, mais linda que todas as Anoras, tentei compreender a premiação.

Dar um Oscar de roteiro original, montagem, direção e filme a um só homem me prova que Hollywood vai mal, mas vai mal demais… industrialmente falando. 

Eis um longa batalhado e quase caseiro. Gostei de “Anora” ao entendê-lo um filme de humor, um sub Irmãos Coen com ótimos atores, ademais irônico em relação aos russos, neste momento em que Trump os acolhe. Um filme gostoso de ver, conduzido por um homem-orquestra, mas um filme pra Oscar? Sim, neste momento estadunidense em que as séries de tevê podem ousar mais, ele representa tudo com que Hollywood poderia sonhar. Ironia, tenacidade, os subjugados vencerão!

Teria preferido, como Sua Walteza Salles sugeriu, que Nanda tivesse levado o prêmio de atriz. Catalisaria nosso empenho artístico, nossa artesania ancestral. Porém, reconheço que Mikey Madison é uma bela intérprete, e me alegra saber que ganhou tão cedo uma premiação industrial dessa magnitude, embora isso possa não significar exatamente uma vantagem em sua carreira, conforme o longo, longuíssimo e algo antipático discurso de Adrien Brody sugeriu. 

Adiantou o ator estadunidense ter levado a primeira vez a estatueta superjovem e sido ignorado por décadas? Pior. Ele vai precisar de novas décadas para se recompor desta vitória.

Para sempre o injustiçado do cinema! No seu agradecimento, Brody não se esqueceu de condenar o “anti-semitismo” atual. Como assim, bebê? 

No mínimo posso dizer que “Brutalista” não apresentou sua ideia com isenção, antes encenou o mais extenso, escancarado, caricatural desejo de um artista de sobrepor sua visão, história e passado ao país que lhe deu de ombros.

Nem me lembro das piadas proferidas no decorrer da cerimônia, que foi relativamente curta para o cerimonial de um Conan O’brien engraçadinho em relação ao “marido ausente” de “Ainda estou aqui”. Mick Jagger, que apresentou a melhor canção, tendo de premiar “Emília Pérez” quando na plateia dos indicados havia Elton John e Bernie Taupin, foi bem mais divertido que o bárbaro Conan. “Queriam alguém mais jovem que Dylan para apresentar o prêmio, e eu sou mais novo que ele”, disse Mick, que, octagenário, move-se com a agilidade de um “Flow”.

Foi tudo razoavelmente rápido desta vez, ganhamos o prêmio que nos coube naquelas quatro linhas, o de melhor filme internacional, para que Walter, simpaticamente desajeitado no seu paletó e gravata (Oprah Winfrey apareceu bem mais esticada no seu figurino semelhante), seguisse um discurso humilde, em tom baixo, de dedicação a suas duas Nandas do cinema brasileiro.

Achei interessante que a apresentação do filme tivesse usado a voz em off do diretor para sublinhar sua proximidade com a família retratada. Fica explicado melhor, assim, o intento autobiográfico do diretor, sua existência adolescente em meio a outras sacrificadas naquele momento histórico, mesmo se consideramos que sua classe social tenha vivido desde sempre sob eterno sol. 

Halle Berry e Daryl Hannah, tão bonitas, o vestido de Halle a seguir a tendência do bordado de pedraria à frente, como um relevo de silhueta… No mais, poucos vestidos buscaram a assimetria, porque talvez isso não fizesse sentido em ambiente cultural de visão tão estreita.

“Sem chão” (No other land), vencedor por longa documentário, recuperou o ideal paz&amor necessário, visto não ser um filme “apenas” palestino, mas israelense-palestino. Um filme jovem, nem tão bom quanto o concorrente “Trilha sonora para um golpe de estado”, mas suficientemente esclarecedor de como funciona o terrorismo estatal israelense no cotidiano de seus oprimidos.

Curiosa cerimônia, tão pouco imaginativa! E relativamente curta, empenhada em escrever palavras críticas para que vencedores do ano passado apresentassem os indicados de agora. Mas, bem, a cerimônia abdicou disso na hora de apresentar as atrizes principais, já que entre as concorrentes estava Karla Gascon: embora presente, ela nem foi citada no agradecimento choroso de Zoe Saldaña, sua companheira de cena agraciada como coadjuvante.

Incrível que Dira Paes e Maria Beltrão, comentadoras da Globo, desconhecessem a natureza deste prêmio, estritamente ligado ao desenvolvimento do mercado e da indústria locais. Que foi isso de reclamar da não-inclusão do cineasta brasileiro Cacá Diegues na homenagem aos falecidos do ano? Que carreira ele fez nos EUA? A trajetória de Salles ali é até maior…

Deveria servir de lição para os deslumbrados por Hollywood, mas suspeito que não será assim. A tal academia cortou desde sempre a possibilidade de expansão de uma cinematografia (latino-americana) naquele terreno. Candidato a melhor filme, mas não a melhor diretor? Walter Salles, o único brasileiro autorizado, por sua classe social, a ganhar um prêmio naquelas paragens, não estaria no nível de um Jacques Audiard? É até divertido imaginar o cochicho dos bastidores políticos: fora, América Latina woke, do sonho que é grande, nosso e de mais ninguém…