O filme de Christophe Honoré presente na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo viaja pelo reencontro de Chiara Mastroianni com a figura de seu pai

Para os cinéfilos das celebridades europeias, parece ser motivo de curiosidade e admiração o fato de Chiara Mastroianni ter abraçado a profissão dos pais. Sabemos que Catherine Deneuve e Marcello Mastroianni não são atores quaisquer, que flutuam na poeira de estrelas e que talvez tenham reinventado o cinema. Então, por que sua filha se aventuraria nessa direção, certa de que não poderia repeti-los?
Isto, este longa ficcional não vai nos explicar. Mas a doce e leve Chiara quer nos fazer crer que, aos 52 anos, ainda busca a si mesma e que essa procura envolve bastante coisa – memória, convicções, história, psicologia – amarrada em névoa musical pelo diretor Christophe Honoré.

A mãe Catherine, viva, pulsante, opina sem dó em sua vida. Eis alguém presente, e pelo jeito não apenas no elenco deste filme, a ressaltar a brevidade de tudo. Pena que o pai se foi. Chiara, que muito sente sua falta, resolve reencarná-lo para suprir uma ausência que não aflige somente a ela, mas a todos ao redor. E também porque, atriz consolidada, ainda reclamam que ela seja um pouco daquilo que ele foi. Ser Marcello, por assim dizer, vai auxiliar seu reencontro consigo mesma – ela tão francesa, ao contrário do pai.
O filme, portanto, é muito mais “Chiara, io” que “Marcello mio”. Nesse caminho, a “Polpetta”, como a chamava o pai, vai penar. Ela o ressuscita em seus figurinos célebres, no rosto tão semelhante, nos gestos e encantos. Sabemos que não fala como ele, não apenas porque seu italiano é afrancesado. Não fala como ele porque não faz suas circunvoluções verbais, não tem o pensamento no ar. Mas algo de sua ironia, de sua leveza, de um erotismo que quer esconder-se, isso ela possui. Como ele, pode cantar acompanhada por um cão…

No périplo que é essa espécie de versão de Chiara para “Oito e meio”, ela vai encontrar os intensos amigos, o ex-marido Melvil Poupaud, por exemplo, que contracenara ao seu lado e de seu pai em “Três vidas & uma só morte”, dirigido por Raúl Ruiz (de 1996, penúltimo filme em que Mastroianni atuou, também presente na mostra) e os grandes do cinema, como a atriz Stefania Sandrelli, que atuou ao lado de Marcello em “Divórcio à italiana”, de Pietro Germi (1961). Eles ora aconselharão Chiara, ora a apoiarão ou a deixarão saber quão fantasmagórica se tornou ao encarnar o pai.

“Marcello mio” evoca “A Doce Vida”, “Noites Brancas”, “Ginger e Fred” e “Dois Destinos”, entre outras obras de que ele participou. Especialmente, de maneira afrouxada, deixa-nos navegar pelas entrelinhas da vida familiar. Descobrimos assim que Catherine desconfiava muito de Marcello, de sua infidelidade pela noite, embora os dois nunca tivessem se casado. Ela esteve quase certa de que Marcello pegou Maria Callas quando o casal morava, com a filha, no andar acima daquele apartamento habitado pela cantora, em Paris…
O filme transcorre entre a representação de coisas como essas, mais ou menos pequenas, uma delas especialmente carinhosa: o ator adorava patinação e assistia ao lado da filha, pela tevê, aos torneios do esporte, duvidoso dos juízes. Saímos do filme convencidos de que Marcello era uma criança também, eterno para Chiara como para nós.

Na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Sessões no Cinesystem Frei Caneca 2 (17h do dia 22), Espaço Augusta sala 1 (19h30 do dia 23) e no Cinesystem Frei Caneca 1 (13h do dia 25).