Em “Vidas Passadas”, a mulher sem dever

Greta Lee, John Magaro e Teo Yoo em “Vidas Passadas”, filme de Celine Song candidato ao Oscar: cadê a sequência icônica?

Assisti a “Vidas Passadas” como se presenciasse um vespertino de sábado ou uma série coreano-americana melhor que as outras. E só depois descobri tratar-se de um entre os tantos candidatos a melhor filme ao Oscar deste ano.


Que interessante.


“Vidas Passadas” é mesmo uma obra comercial às antigas, semelhante às películas que buscavam bilheteria nos Estados Unidos dos anos 1980 e 1990: mostra um romance não realizado através do tempo, uma espécie de “Harry e Sally” entre uma migrante nos Estados Unidos e seu amigo na Coréia que resulta obrigatoriamente em melancolia/superação para o par protagonista.

Com a diferença – sabe? – que “Harry e Sally” tinha um belo tom entre a melancolia e o humor, tão preciso era o Rob Reiner que o dirigia, capaz de encenar pelo menos uma sequência lembrada por décadas.


Mas, e “Vidas Passadas”?

Onde estará seu potencial icônico?


Só posso pensar que, na campanha publicitária da obra, o diretor do trailer deste longa foi o melhor diretor…


Porque, além da exposição do vacilo em nós, o que o filme nos diz? Que somos uns idiotas nesta vida à espera de outra vida melhor?


A protagonista de “Vidas Passadas” deixa claro, desde o início, tratar-se de um ser de essência competitiva (ou psicopata, como diz graciosamente), que se interessa por um judeu americano e escolhe casar antecipadamente com ele para ganhar, além de green card, uma láurea artística qualquer na sua vida futura… E da ambição pelo Nobel ela vaga descendente pela irônica caça ao Pulitzer e ao Tony – o que, pelo menos isto, me divertiu. Que tal lhe premiarem com um make-over no Queer Eye?


Aos dois apaixonados por ela, a personagem imputa o prejuízo que desejar, como se em cada mulher coubesse um ser sem nada dever…


Muitas vezes me peguei localizando na heroína do filme dirigido por Celine Song uma espécie de Jada Pinkett Smith com dois Will Smiths pra chamar de seus.


Mas que luta terá travado esta protagonista entre duas culturas? Que sentido terá feito com que substituísse o admirador coreano em quem enxergava uma conexão adolescente por uma existência média nos Estados Unidos, onde escreve peças teatrais sobre as quais nada sabemos, irritada por ter de presenciar os ensaios?


Enfim, se ela escreve, quais são suas palavras? Gostaria de saber delas porque eu então localizaria o tipo de dramaturgia que ela faz e o marido judeu, também escritor, o que transmite em seus livros. Da maneira como são vagamente caracterizados, poderiam ser comerciantes, bancários, ascensionais TIs, qualquer um deles, menos o que dizem ser, à procura tão-somente de uma estabilidade emocional-financeira, de um meio de vida na cidade de Nova York, localizada aqui com alguma cor asiática. Há só um vago e confuso conceito de vidas passadas vindo da Coreia a regular a vida da escritora e de quem se aproxima dela?

Sem contar que a excessiva diluição de Wong Kar-Wai que este filme faz, expressa na noite cinematográfica entre o verde e o vermelho, pode ser aflitiva…


Eu, que testemunho o público ao meu redor preencher os vazios deste filme com seus próprios questionamentos amorosos, religiosos e existenciais (o que deve ser a principal qualidade do longa, evocar a perda e o vazio em quem gosta do filme), só penso: cadê o japonês Kore-eda no Oscar?


Assistam a “Monster”, amigos.
É de fato um filme.