O presidente da Fundação Bienal comemora legado e se emociona ao falar sobre a morte do artista indígena Jaider Esbell, estrela da edição anterior do evento, também sob sua direção

Foi um desses episódios que eu nem imaginaria presenciar, que dizer de provocar, como acabei fazendo…
Durante a pré-abertura da 35ª Bienal de São Paulo, minha editora na revista Robb Report, Gisele Vitória, sugeriu que entrevistássemos o presidente da Fundação Bienal, que se encontrava algo disponível diante das rampas do prédio. Fomos até lá, então, para conversar sobre o evento que ele, na coletiva anterior, dissera considerar histórico. A entrevista andava quando decidi lhe perguntar algo que muito me intrigava: como havia encarado a morte do artista indígena Jaider Esbell, em plena bienal anterior, que ele também dirigia? Insisti para que me falasse de sua relação com o artista e me surpreendi ao ver seus olhos se encherem de lágrimas ao mencionar a convivência com ele. Trata-se de um banqueiro, mas também de um colecionador de arte, neto daquele José Olympio que fundou a editora de mesmo nome, no Rio. Isto talvez lhe tenha proporcionado uma sensibilidade que não parece caber no terno e gravata dos que tanto possuem, sem o dividir.

Colecionador de arte contemporânea brasileira e presidente do J. Safra Investment Bank, José Olympio da Veiga Pereira deixa a presidência da Fundação Bienal de São Paulo em dezembro, após o segundo mandato. Nascido em 1962, ele foi batizado em homenagem ao avô, o livreiro carioca fundador da editora José Olympio, atualmente integrada ao Grupo Editorial Record. Seu pai, Geraldo Jordão Pereira, fundou as editoras Salamandra e Sextante hoje administradas por seus irmãos, Marcos e Tomás Pereira.
Abaixo, em entrevista concedida na pré-abertura do evento, em 4 de setembro, Veiga Pereira se emocionou quando lhe perguntei sobre a morte em 2021 do artista indígena Jaider Esbell, estrela da 34ª edição. De olhos marejados e voz embargada, o banqueiro disse ter prezado demais a convivência com este artista de elevada auto-estima, que não mostrava qualquer reverência às instâncias do poder branco. “Eu estou sempre com ele”, disse o presidente.
Por que esta é uma bienal histórica?
Porque parte de um movimento radical e altamente arriscado, que foi a escolha desse grupo curatorial né? Pedimos propostas, recebemos… O grupo se formou a partir das propostas que a gente pediu. Apresentou-se como um grupo, mas como os curadores mesmo disseram, eram quatro pessoas que nunca tinham trabalhado juntas, que não se conheciam. Apostar que isso iria dar certo, eu acho que foi o primeiro movimento, digamos radical. Claro que em última instância, embora a diretoria tivesse participado disto, a responsabilidade é minha como presidente. Fico muito feliz que isso tenha dado tão certo, porque, embora sendo profissionais de confiança, juntar quatro deles sem liderança, sem chefe, num grupo horizontal, e fazer com que esse trabalho resultasse em uma bienal tão especial, foi realmente uma grande realização.
A ideia de não haver um chefe partiu de quem?
Deles. Então demos um crédito de confiança a essa proposta e esse grupo enorme, enorme. Ao longo do percurso tive frios na barriga, como é normal, mas hoje estou comemorando que tudo tenha saído tão bem. É uma bienal histórica por ter um aspecto de inclusão e de dar oportunidade a um número grande de artistas que nunca sonharam em estar numa bienal de São Paulo, tanto no Brasil, quanto no exterior.
Ela também cumpre o papel, que é sempre da bienal, de resgatar artistas históricos não tão divulgados ou conhecidos, como o Heitor dos Prazeres ou a Carmézia Emiliano, cuja produção fantástica nunca tinha sido mostrada numa bienal. A meu ver esta é uma bienal que suscita questões, mais perguntas do que apresenta respostas. Vale ser visitada várias vezes. É importante que se diga, em nosso time do educativo há mediadores para auxiliar o espectador a entrar no espírito da Bienal, para se relacionar com as obras.
O sr. mencionou a dificuldade particular em ser a última palavra em questões complicadas. Uma questão complicada pode ter sido o fechamento do vão. Seria uma maneira de romper um pouco o entendimento modernista do projeto original?
Desde o projeto original de expografia eu o achei muito interessante, por subverter o trajeto normal do percurso. Mas ao mesmo tempo ele transforma as curvas lineares em volumes de curvas, e as curvas estão presentes na expografia inteira. Se você olhar todas as salas se apresentam em sístole, diástole, elas estão no andar pra fora e no outro andar pra dentro, mas também acompanham todas as curvas. Então, toda a organicidade da arquitetura do Oscar Niemeyer, a meu ver, está exacerbada com essa intervenção que foi feita no prédio.
Não houve dificuldades de ordens funcionais para executar isso. Trata-se de uma intervenção temporária no prédio, e cada edição da bienal apresenta a sua. Em algumas as janelas são fechadas, as salas são colocadas contra as janelas, você não vê os vidros.
A expografia atual ficou muito interessante, instigante, esses volumes que nós estamos vendo aqui no vão deixou tudo lindo, o que casa muito bem com o resto, com a arquitetura das salas. Existe uma complementaridade, uma valorização da ideia modernista, uma exacerbação, porque se você olhar esses volumes, eles ficaram muito poderosos, essas curvas todas com esses volumes e com a rampa ao fundo. Ficou linda a conversa dos volumes com as rampas.
Como avalia o seu legado como presidente da Bienal?
Olha, eu termino o meu segundo mandato com forte sensação de dever cumprido. Estamos realizando uma segunda bienal, enfrentamos uma pandemia, realizamos uma bienal espetacular, a 34ª, ainda num contexto de pandemia. Tomamos o risco de fazer uma coisa muito diferente na 35ª que deu certo, então é sempre uma coisa maravilhosa tomar risco, e o risco valer ter valido a pena.
Do ponto de vista institucional a Bienal está muito, muito bem. Do ponto de vista financeiro, do ponto de vista de sua equipe de gestão, da equipe de gestão do dia a dia, da Superintendência Geral, das equipes de produção, de comunicação, temos gente da melhor categoria trabalhando. Então, fico muito feliz de entregar ao meu sucessor uma Fundação Bienal de São Paulo absolutamente arrumada.
Especialmente eu fico pensando que o sr. teve de superar algo ocorrido durante a bienal anterior, que foi o suicídio do artista indígena Jaider Esbell. Gostaria de saber como conseguiu realizar seu trabalho após esse episódio tão difícil.
Olha, o suicídio do Jaider foi uma coisa… muito difícil pra mim, entendeu? Era uma pessoa com quem eu estabelecia uma relação pessoal e perdê-lo foi uma dor imensa que eu sinto até hoje. Então, enfim, mas a gente tem de tocar a vida. Mas não foi nada, nada fácil. Eu estou sempre com ele. E feliz de ver que aquilo que ele começou, a bienal dos indígenas, como ele chamava a 34ª, e toda a importância que a arte indígena contemporânea tomou a partir dele tenham sobrevivido. Acho que de onde ele estiver vai estar muito feliz com o que está acontecendo, o Denilson Baniwa e o grupo Mahku tão bem representados nesta edição, e o legado dele estar tão presente, o ativismo e a questão indígena colocados através da arte.
O sr. conversava muito com ele?
Eu tive muito contato com ele.
E alguma coisa que ele tenha dito lhe marcou especialmente?
O Jaider era uma pessoa extraordinária, porque ele era de uma coragem, apesar de ser um indígena, apesar de ser… Ele não tinha nenhuma intimidação com qualquer fonte do poder, ele conversava assim de igual pra igual, fazia críticas, colocava questões e eu achava aquilo lindo, entendeu? Porque ele se colocava de uma forma como deve ser, como tem de ser, mas que infelizmente nem sempre é. Mas o Jaider tinha essa autoestima, esse senso de missão maravilhoso.
Que trabalhos da bienal o sr. aconselharia o espectador a ver nesta bienal?
Citaria o Álbum de paisagens, tipos humanos e costumes do boliviano Melchor María Mercado, feito no século XIX e exibido pela primeira vez fora de seu país.



Acima, obras do século XIX contidas no “Álbum de paisagens, tipos humanos e costumes”, de Melchor María Mercado, exibidas pela primeira vez fora da Bolívia