Mais um ano para Yayoi Kusama

As bolas que constituem a marca da artista japonesa, resultado da elaboração de alucinações pessoais, estenderam-se pela segunda vez aos produtos da Louis Vuitton

Representada por um imenso robô, a artista Yayoi Kusama “pinta” a fachada da Louis Vuitton parisiense
@DanielaPDD

Este foi um ano especial para Yayoi Kusama e sua parceira na moda, a Louis Vuitton. A mais célebre artista plástica japonesa contemporânea, que onze anos atrás havia estreado na maison após convite do estilista Marc Jacobs, retornou no início de 2023 para a colaboração, desta vez com o diretor criativo Nicolas Ghesquiere, na feitura de produtos da grife. Kusama envolve com bolas de variadas cores e tamanhos – sua marca artística – roupas, óculos de sol, fragrâncias, bolsas e sapatos. “A Louis Vuitton entende e aprecia a natureza da minha arte”, havia dito ela à revista “New York”, em 2012. “Portanto, não há muita diferença entre meus processos artísticos e aqueles que aplico à moda.” 

A artista de 94 anos, cujo trabalho ganhou intensidade na Nova York da pop art, durante os anos 1960, recebeu ainda uma homenagem à sua altura. Um robô monumental a representa na parisiense Rue du Pont Neuf, diante da sede da Louis Vuitton, a pintar a fachada do prédio, enquanto outros robôs em escala menor, em Tóquio ou Nova York, a mostram atrás das vitrines, também com o pincel na mão.

Nascida na rural Matsumoto, a 200 km de Tóquio, Kusama trabalhou não apenas com pintura, mas escultura, instalações e ousadas performances. Nelas, por meio da abstração e da sensualidade, criticou o sistema de arte que insistia em ignorá-la. Aconselhada pela pintora Georgia O’Keefe, foi a Nova York e de lá à Itália, onde, na Bienal de Veneza de 1966, compôs seu “Jardim de Narciso”. Rodeada por 1.500 globos espelhados, ela não só distribuiu cópias de uma declaração atestando seu talento, escrita pelo crítico britânico Herbert Read, como ofereceu bolas em uma faixa onde se lia “Seu narcisismo à venda”, ação que ocasionou sua expulsão da bienal. Era seu protesto contra a crescente dominação de artistas bem-sucedidos no âmbito da mostra, tradicionalmente não comercial.

Yayoi Kusama nos anos 1960, quando se mudou para a Nova York da pop art e passou a elaborar sua obsessão pelo ponto

Ainda nos anos 1960, depois de ter sofrido alucinações com pontos e bolas na infância, procurou a psicanálise, por meio da qual descobriu sofrer de transtorno obsessivo-compulsivo. Nova York havia acentuado suas crises depressivas, razão pela qual ela voltou em 1977 a Tóquio, onde passou a morar em um hospital psiquiátrico. As bolas vermelhas, aplicadas por vezes a suas vestimentas, parecem até mesmo evocar o sol da bandeira de seu país. Em 2014, os brasileiros fizeram fila para absorver esse universo em “Obsessão Infinita”, retrospectiva do trabalho da artista no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. 

“Minhas performances são um tipo de filosofia simbólica com bolinhas”, explicou certa vez. “A bolinha tem a forma do sol, que é um símbolo da energia do mundo inteiro e de nossa vida, e também a forma da lua, que é calma, redonda, suave, colorida, ignara e sem sentido. As bolinhas não podem ficar sós. Como a vida comunicativa das pessoas, duas, três ou mais bolinhas entram em movimento. Nosso planeta é apenas uma bolinha entre milhões de estrelas no cosmos. As bolinhas são um caminho para o infinito.”

Escultura em cera que representou a artista na Louis Vuitton, durante seu trabalho para a grife em 2012
@Garry Knight