era um sonho quase realista.
eu tinha de trabalhar na tevê, quando, na vida, nunca trabalhei em tevê.
mas não podia escolher.
chegava simpática e sorridente.
na redação, em lugar de mesas de trabalho, havia atrações.
algumas mulheres faziam brotar flores desde a semente em poucos minutos.
os homens atiravam espadas.
assim que cheguei lavaram meu cabelo e fizeram escova.
me dei conta de que se tratava, em verdade, de uma peruca loira.
eu tinha de usar salto, quando raramente uso salto.
e ficava sentada pra não doer o pé.
no decorrer das atrações, eu me entediava e as costas começavam a doer.
me levantava, um pouco insegura sobre os saltos, e me via muito maior em altura que os outros.
eu tinha virado uma das atrações.
perguntei o que queriam que eu fizesse então.
“leia as notícias”, disseram.
o vídeo começava a rodar, os fatos aconteciam e não havia teleprompter onde eu pudesse ler a reportagem.
diante de mim, contudo, o câmera mandava seguir.
eu argumentava: “não recebi o texto. não sei como, por que, onde ou quando se deram estes fatos.”
e o câmera se aborrecia.
“este é seu trabalho, improvisar as notícias!”