Há algum tempo, vinda de uma releitura do Moby Dick de Herman Melville, escrevi um verso no face de que o Maurício muito gostou. E ele então, para minha alegria sem tamanho, começou a transformá-lo em samba delicioso, uma de suas marcas como compositor.
Fez uma segunda parte da letra e precisava do desfecho. Ao reunir suas músicas de vida inteira para aquele que brevemente será seu maravilhoso primeiro disco solo, perguntou ao Rodrigo Campos se ele se interessaria em compor uma parceria. Mostrou-lhe algumas ideias inacabadas e o Rodrigo gostou justamente desta que começava com o verso “Transformar o silêncio em prata, em luar”, que eu havia escrito como um desabafo expressivo.
O Rodrigo se pôs então a terminar a canção. E “Silêncio em prata” nasceu.
Nem nos meus sonhos de prodígio imaginei que um dia o Maurício se inspiraria em um verso meu, comporia uma melodia a partir dele e o Rodrigo concluiria a canção.
Quando soube da maneira pela qual o Rodrigo finalizou meu sopro de início, senti o coração apertado e a cabeça clara. Devo ter arregalado os olhos também. Ele me adivinhava, como o Maurício fez.
É isto, amigos, escrever uma canção?
Eu nada sei sobre uma arte que tentei praticar apenas na juventude, quando o Rogério de Campos decidiu loucamente tocar uma letra amadora que fiz em seus shows da banda Crime, com um solo de guitarra impressionante do Magui.
E embora jamais tenha sido uma artífice nos anos seguintes, creio haver desenvolvido a mínima capacidade de reconhecer um grande artista ao ouvir um.
(Preciso escrever umas palavras frágeis sobre o Rodrigo, porque talvez não consiga outras melhores. Ele capturou meu instante sem que, pessoa a pessoa, tivéssemos trocado bem poucas frases. E com isso atingiu o irreconhecível, embora cotidiano, em mim. Bem sei que fez isso por muitas pessoas mais. Vejo poucos artistas tão imensos quanto ele na música popular. Sua poesia e a expressão concisa, a um tempo histórica e premonitória, suas imagens que são a terra e a alma, fazem renascer a canção brasileira numa continuidade a meu ver surpreendente a Caymmi, aquele que entende o mar metafísico, como Melville também o viu.)
Ontem tive uma enorme surpresa, em uma das mais belas noites de minha vida, quando o Maurício decidiu tocar “Silêncio em prata” pela primeira vez ao vivo, com a parceria luxuosa da Ariane, da Vitória, do Dee Macaco e do Samuca, no palco do Bona, em Pinheiros.
Novamente, o coração apertado, a cabeça clara, os olhos grandes…
Obrigada, meus queridos Maurício e Rodrigo, pela oportunidade que jamais imaginei ter.
Obrigada, Dee, Ariane, Victória, Samuca, pela grandeza em seu coração.
(Não revi esta filmagemhttps://www.facebook.com/rosane.pavam/videos/1815753731874984/ que fiz nem sei como, me perdoem se estiver ruim.)