O sonho de Orin

“A Balada de Narayama”, rodado em 1983 por Shohei Imamura, e que
permanece em streaming no Belas Artes À La Carte, devolve-nos os segredos entre a imanência e a transcendência numa vila esquecida do Japão

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Ken Ogata e Sumiko Sakamoto, filho e mãe em A Balada de Narayama

É como se A Balada de Narayama (1983) fosse a caricatura de um paraíso neoliberal. Numa vila onde impera a escassez, todo ser humano, ao completar 70 anos, deve subir a montanha e morrer no topo, em prol da sobrevivência de todos.

Contudo, com este mote, o que o diretor Shohei Imamura discute mesmo é a distância entre o céu e a terra, entre o efêmero, imanente, e o que constitui a transcendência, o eterno.

A matriarca Orin (Sumiko Sakamoto) quer a morte logo. Ela crê que um deus a receberá em Narayama, seu céu. Neste primeiro longa japonês a ganhar Cannes, e nos outros filmes deste diretor, a mulher encarna a força primordial. Ela é a terra. 

Orin precisa resolver o futuro dos filhos antes de partir. Eles têm aspirações como casar, fazer sexo e comer, que ela precisa encaminhar. Suas necessidades terrenas não diferem tanto daquelas dos animais. 

Os homens entoam melodias da tradição local durante o trabalho enquanto serpentes, corujas ou mariposas surgem de modo a alertá-los para a intensidade de viver, para algo profundo (talvez inconsciente) dentro deles.

O efêmero é muito bem descrito neste clássico cinematográfico. Imamura orienta à ferocidade atores excepcionais como Ken Ogata, que percorre paisagens de azul constante.

Mas e a transcendência? 

É a fotografia, extraordinária e transformadora, que parece indicá-la por todo o filme. A montanha está sempre ali, imponente à distância, porém chapada como em um cartão postal. O transcendente é, portanto, uma ilusão fotográfica. Mas, ainda assim, uma imagem poderosa, a alimentar o sonho de eternidade de Orin.

(abaixo, veja a impressionante diversidade de pôsteres para anunciar este filme)

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