Adeus, Roberto Romano da Silva, alma gentil

Uma das mortes menos esperadas por mim entre os amigos foi esta do professor Roberto Romano da Silva, hoje, após uma batalha de semanas contra a covid. Ele nos narrou a revelação do exame positivo no facebook e pediu orações quando se viu internado no Incor. Não tenho religião, mas rezei muito por ele, sempre à espera angustiante de uma notícia boa.

Das mais sofridas, injustas, foi essa morte também porque ele já havia se vacinado. Mas a gente sabe que a vacina não pode tudo. E que, sob o governo genocida, não criamos ainda condições para uma imunização coletiva mínima. Então ele acabou vítima dessa animalidade que combatia todos os dias em artigos nos jornais, na televisão. E em toda a imprensa que editava mal o que ele dizia e que intentava conduzi-lo nas entrevistas, sem o conseguir, sob seus protestos veementes.

Eu o considerava muito amigo, embora nunca tivéssemos nos visto. Às vezes me mandava mensagens pelo inbox do face e chegou a celebrar uns tantos anos de nossa amizade na rede, uma gentileza tão grande. Ele era uma luz pra meu pensamento. Ele e seu comportamento digno de um dominicano, cão de Deus, que também foi.

Filósofo com o saber na ponta da língua, tinha o afã de se relacionar, como a gente via pelo face. E sofria grande indignação ao se ver descartado pela idade. Recusava o sarcasmo etarista: se alguém ligasse a velhice à caduquice, ele o tirava de sua lista de amigos e acabou.

Fui subeditora de um suplemento cultural, um dos mais antigos da imprensa, o Caderno de Sábado, do Jornal da Tarde, que me demitiu tão logo voltei da minha segunda gravidez. O usual para mulheres que têm filhos, mas isto não vem ao caso. Os textos do professor eram muito importantes pra mim.

À época, ele cedia ao caderno a íntegra de suas palestras, para que a publicássemos num tamanho cabível. Eram sempre textos grandes demais, razão pela qual me davam um certo trabalho. Ademais, os seus eram raciocínios que pediam a duração normalmente negada pelo jornalismo. E lá ia eu, contra o relógio, linha a linha, buscando reduzi-las sem estragar o entendimento. Trabalho este que, desnecessário dizer, ninguém reconhece, ninguém vê, e quando reconhece ou vê, é mau sinal.

Um dia, Romano ligou para meu editor e perguntou quem cortava seus textos no caderno. Meu editor disse que era eu, a subeditora, simplesmente esperando o pior. E não.

O que Romano lhe disse foi que os cortes feitos em seus textos agiam por mágica. Ele não os percebia, mas, ao reler o que estava publicado, considerava-o melhor que o texto original.

Uma gentileza a mais que será para sempre um dos meus maiores orgulhos como jornalista.

Meu amigo prossegue no caminho da luz que jamais abandonou.

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