Quando Madonna subiu ao palco para receber um prêmio, antes da pandemia, fez um belo discurso. Não sou fã incondicional dela, mas aprecio sua inteligência e o que disse fez bastante sentido pra mim.
Nunca foi fácil fazer o que fez sendo mulher, declarou. A um Prince ou um Bowie eram aceitas com aplauso certas atitudes e encenações, como a da sexualidade. Mas, nela, isto jamais coube como razoável. E precisou comprar a briga com o mundo para se expressar. De oportunista para baixo foi o que ouviu, além de ter lidado, no começo de sua vida em Nova York, com os candidatos a estupradores na porta de casa, quando destrancada.
Acompanhei Madonna como fenômeno desde o início e entendi o que disse, porque em certas partes de seu discurso ela falou pelas mulheres de nossa geração. No jornalismo brasileiro sofríamos quase igual, embora Madonna, por óbvio, tenha circundado as circunstâncias de forma espetacular.
A parte mais forte do discurso, para mim, foi aquela em que ela se disse vítima de uma nova perseguição diuturna, o etarismo. Aos 60 anos, ao contrário do que aconteceu com Bowie ou com astros do rock bem mais velhos, como Jagger, não lhe era aceito performar como estrela (e, pensei eu, namorar gente jovem também). Envelhecer aos olhos do público, fazendo o que faz, tornou-se um pecado mortal.
Acompanho seu Instagram e sei bastante do que ela mostra há alguns anos. Seu dia a dia carinhoso com os quatro filhos adotados, dançando e posando. Tem namorados cada vez mais jovens, pretos meninos, com quem vai à roda gigante no aniversário dos filhos, para às vezes passar muito mal. Suas dores nas costas inviabilizaram, alguns anos atrás, que ficasse confortável de pé, e ela precisou se exercitar na banheira a certa temperatura apenas para se mover.
Sobre suas plásticas, elas se sobrepõem há alguns anos, como aconteceu com Jane Fonda, e me acostumei com seu rosto novo, sempre muito maquiado e cuidadosamente posado. Nem me parece tão estranho quando o comparo ao de outras divas do público drag, como Amanda Lepore. Um rosto de estrela, digam o que quiserem.
A foto que fizeram dela no Grammy e tanto surpreendeu as pessoas é cruel. Uma tele que se aproxima demais com uma intenção. Ela está certa quando diz que essa lente distorceria qualquer rosto. Para mim, numa foto, sempre há um fotógrafo por trás. Quem é o autor em questão? Não sabemos. Boa tentativa, meu caro.
Mais uma vez, então, Madonna está certa ao dizer que o que querem tirar dela é ruim. Anulá-la, velha demais para o rock’n roll. Após os 45 anos, é como se a mulher não tivesse mais o direito de ocupar determinados palcos, especialmente se se comportar como não é de uso para uma senhora de certa idade. Qual o problema de ter o rosto modificado? Ela quer assim. Ozzy Osbourne também quis. Mas não, é como se ela, especialmente, não pudesse. Como se fosse inferior a nós ao manter essa louca pretensão de modificar-se, nós que sustentamos nossas rugas com orgulho, até carinho.
Quer saber? Gosto mais dela hoje, velha e insistente, do que antes. Estou cansada de saber o que o estrelato exige das pessoas. Plástica mal feita não me oprime. Aguardo seu próximo movimento. Viva e deixe viver.