As it is, as it was

Inteligência, inteligência, inteligência! Não aguento mais ouvir esta palavra esmagada, sangrada, pregada a sua combatente, a sua mulher de areia desinteligência, cujo fim é o oposto do convívio, é destruir nossa integridade, nossos laços.

Sim, eu ando com celular à mão no centro de São Paulo, onde moro, em meio a uma onda assustadora de furtos e assaltos de aparelhos. Ando com meu celular na mão durante o dia porque não sei pra que mais teria um celular durante o dia, a não ser para colocá-lo na mão e usá-lo no centro. E fotografar. E me aproximar de alguma forma daqueles de meu entorno, de minha geometria.

Mas agora parece que incomodo a ordem do mundo se seguro o celular junto ao corpo no centro. Uma borboleta vai interromper seu voo em Seul! Pode parecer incrível pra qualquer um que na minha idade e dez quilos mais pesada eu me exercite fazendo isso e saiba calcular distâncias.

Eu roubo cenas de rua. Roubo. É um vício, uma canção permanente no meu coração. Eu julgo essas as cenas mais legítimas, responsivas. Eu quero devolver com carinho o que chegou até mim como uma rápida visão. Eu vou empunhar o bicho furtivamente enquanto julgue que ele me ajuda nesta tarefa. E é claro que um dia meu anjo da guarda distraído vai deixar que me peguem. E então?

É engraçado como nenhum noia jamais me incomodou por isso. Uma trans me parou uma vez sob o viaduto da Marechal Deodoro para ofertar uma pose sua em troca das moedas que eu tivesse. Como agradeci!

Um sem-teto me pediu pra fotografá-lo tempos depois para que pudesse se ver na imagem que eu fiz, já que não tem celular. E o fotografei com tanto carinho, e lhe mostrei a foto e ele amou. Mas eu estava na avenida São João. E estava na São João um grupo de senhoras que me vociferou como se eu, dentro do aquário, topasse com um rosto deformado pelo vidro: “Não!” Que não? “Não! Abaixa isso! Eles vão te roubar, te roubar, entendeu?!” Eles quem? Eu não estou em guerra com eles. Eu sei o que estou fazendo! Ou não sei e não importa!

E hoje o mesmo, e hoje de novo, praticamente chamada de indolente enquanto empunho o bicho no cruzamento do viaduto. Assustador ser surpreendida por aquela senhora Cansei. Por que só mulher parecida com golpista encosta em mim? Vá lá, ri também. Ri ao vê-la gesticular enquanto eu ouvia alto no fone o Harry Styles lutar contra a gravidade em “As it was”. Finalmente entendi a canção!

Eu não vivo neste mundo. A esta altura da existência, como me explicar? Pensando bem, por quê?

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