Às vezes, como hoje, me sinto a última criatura sobre a Terra, alguém para quem não parece haver salvação existencial ou física. Um sentimento nascido ocasionalmente não de uma ameaça particular, mas do pesar, que creio ser comum a todos, de habitar este mundo de cães famintos.
E então, porque também amo a vida, me esforço a existir.
Eis por que as roupas de alguns dias vão parar no varal e os vidros de azeitona, nos baldes com água, de onde saem nus, sem os feios rótulos de papel. Busco os filmes, qualquer chocolate, a água sobre a arruda, o secador.
Nada funciona a não ser a coisa de sempre. A coisa das coisas, da qual sempre me recordo no último momento. A coisa da fotografia em mim. Revisito os livros de imagens acumulados ferozmente nestes últimos anos (não tenho moral para condenar os consumistas, não). E quem me salva é
Eva Besnyö. Que fotógrafa! Os reflexos. Os ciganos. As crianças musicistas. A beleza que ela captava naquelas manhãs brilhantes entre as estações do ano.
Amanhã, não sei. Espero sempre me sentir melhor. De todo modo, deixo enganchadas sobre a mesa de meu escritório as flores que Robert Frank fotografou em Paris.
