
A mão pesada de deus. Persépolis vai à luta, com Mickey desenhado no casaco. “A semente do fruto sagrado”, longa-metragem candidato a melhor estrangeiro no Oscar 2025, tem de tudo isto, um pouco. É um recado, mais que um filme. Seu diretor, o iraniano Mohammad Rasoulof, de 52 anos, precisou fugir em maio de 2024 para a Alemanha, por onde lançou o filme, já que o governo iraniano o condenara a oito anos de prisão e chibatadas ao saber da aceitação da obra pelo Festival de Cannes.
Em “A semente do fruto sagrado”, gritam as emparedadas pelo regime, as mulheres iranianas que não suportam mais consentir no próprio apagamento. Uma sociedade afundada em teocracia, que confunde lei com providente desígnio, cria ratos executores, e é preciso dar um fim a isso, elas vêm nos dizer.
Como no caso de “Emilia Pérez”, este é um longa de quase três horas em que a primeira parte promete um trunfo. No caso, aqui, o da atenta observação psicológica dos personagens e suas ações. Pouco se julga e mais se mostra neste início narrativo, como acontece na grande arte do suspense. Há uma sombra que só desaparece quando surge a luz sobre os olhos de cinema mudo das jovens. Há um conforto nas mãos da mãe, que envolvem os aflitos e lhes secam feridas, enquanto seus lábios finos proferem ânimo e consolo.
As filmagens feitas pelo celular e incluídas no decorrer da trama dão autenticidade ao que vem sendo discutido. Nos protestos filmados, os jovens exigem um basta à opressão feminina no país, reivindicando uma revolução contra a teocracia vigente. Os reels exibidos no longa referem-se aos protestos de 2022, quando uma menina curda de 22 anos foi morta pela polícia moral por usar um hijab fora do lugar. Uma espécie bonita de balé acontece nesse ponto de “A semente do fruto sagrado”, para logo então sumir. Não há espaço para o suspense crescer, visto que o tempero do clímax se entranha em tudo o que é narrado.
O chefe da família precisa descobrir quem surrupiou seu revólver de serviço, guardado na gaveta do cômodo ao lado da cama, ou perderá a chance de se tornar juiz. Pior que isso, pegará três anos de prisão. Ele vai sendo convencido, por seus superiores, de que a família o traiu. De repente, sem dominar as lições de suspense de Stanley Kubrick, o diretor Mohammad Rasoulof parece querer repetir “O iluminado” naquela paisagem desértica de ruínas onde o personagem do pai enlouquece, mas acaba em uma sequência de embates de dar dó em Chuck Norris.
O grotesco venceu. É o gosto geral. Nada contra ele, claro, especialmente quando bem feito, bem-humorado, socialmente demolidor. Roger Corman, por exemplo, sabia fazer. Descobriu Jack Nicholson! John Waters tinha Divine. Há um grande perigo em tentar reviver a Hollywood dos anos 1970 e 1980 quando se deseja aplicá-la a assunto externo tão fundo e difícil. No fim das contas, tem-se a impressão de que o Oscar enaltece o filme por razões políticas.