Bordar a dor, com Maria Auxiliadora

Pequena história de uma grande pintora brasileira

Nesta foto sem data e sem autor, tirada em sua segunda residência paulistana, na Casa Verde, a pintora mineira Maria Auxiliadora posa com duas das telas naïf muito coloridas que produziu para o sucesso mundial.

Sua família era toda de artistas, os 17 irmãos. A mãe, que lhe ensinou bordado, tinha muitos sonhos para os filhos, razão pela qual se mudou com eles para a efervescente capital do Estado onde nasceu, seguida pelo marido, que arrumou trabalho numa olaria do bairro do Limão.

Maria Auxiliadora conta que a mãe não lhe deixava brincar. Tinha de bordar. Aprendeu com ela todos os pontos e a combinar as cores. E desenhou muito, especialmente à noite, para espantar os espíritos. A família era católica, mas Maria Auxiliadora frequentou terreiros e sonhava aderir ao candomblé, de onde tiraria a inspiração futura para pintar os orixás.

Seu Xangô na série dos orixás

Aos 12 anos, a menina largou a escola porque precisava ganhar pro sustento da família. Ela e suas irmãs partiram para o trabalho doméstico em condições ruins, aparentadas por vezes às da escravidão. Sua avó, que fora escravizada, havia fugido de Minas para Sorocaba; com o braço imobilizado por um acidente, doara a filha, mãe de Maria Auxiliadora, a uma família.

Oxum, de 1972

Até os 33 anos de idade, Maria Auxiliadora pintou nos intervalos em que atuou como doméstica, função mais rentável que a de bordadeira para confecções na rua José Paulino. Suas pinturas começaram a aparecer. Raquel Trindade, filha de Solano, visitou um dia a casa da família de artistas e convenceu-a a se mudar para Embu das Artes.

Ali Maria Auxiliadora venceu salões e de lá passou a expor na praça da República, onde Mário Schenberg comprou suas telas. O sucesso apareceu em 1968, quando ela fez sua primeira exposição, seguida de outras no Brasil e Europa.

Pintava febrilmente, sem se dar conta de que tinha sucesso. Às vezes, de tanto pintar, imergia nos quadros, conversando com as figuras que representava. Fazia as próprias roupas e ornamentos.

Iansã, inspiração no candomblé

Um dia foi parar no Hospital das Clínicas por conta de intoxicação causada pelas tintas e o médico descobriu um câncer de mama. Ela acreditava que o tumor nascera de uma cotovelada recebida no seio certa ocasião. Retirou o tumor, mas a operação não impediu que morresse pouco tempo depois, ainda ativa, aos 39 anos, em 1974.

Ela queria ser enterrada de noiva, figura que representou em um de seus quadros.

Não deu.