Para mergulhar em Kim Novak

Lágrimas, excertos de filmes, recordações: a estrela de “Vertigo” derrama memórias ao refletir sobre sua carreira no cinema, em documentário presente na 49ª Mostra

A atriz em casa, aos 92 anos, reflexiva ao percorrer álbuns e caixas com memórias

Os olhos claros, grandes e vivos. A boca pequena. Lábios pintados ostensivamente, assim como os cabelos. Rosto de enigma. A face célebre que não existe mais, perdida no espelho de Hollywood. 

Kim Novak tem 92 anos e teme morrer. Ela mesma, a protagonista de “Vertigo (Um corpo que cai)”, clássico dirigido por Alfred Hitchcock em 1958, confessa esse medo ao cineasta Alexandre O. Philippe. O diretor do documentário poético “Kim Novak’s Vertigo” (Um corpo que cai, por Kim Novak), presente na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, filma suas conversas com a atriz, os depoimentos não raro emotivos que ela lhe dá, como quem deseja erguê-la a um panteão de eternidade, a partir da casa da atriz no Oregon.

Para conseguir o efeito do que é eterno, Philippe insiste na fotografia embaçante e na trilha sonora a partir de um piano de prelúdio, o que por vezes está a ponto de desacreditar seu filme. O espectador pode se perguntar por que o diretor terá pesado a mão assim. Talvez Phillipe se visse obrigado a isso para não magoar sua biografada. Por todo o filme, a atriz agradece a maneira positiva com que o diretor a vê artisticamente, quando nem mesmo ela se enxergava assim, isto até encontrá-lo…

É que Kim Novak não quis desde sempre ser atriz. Seu pendor possivelmente fosse pelas artes plásticas e pela fotografia. Fez belas imagens do pai, que, ao contrário de sua mãe, jamais expressava os sentimentos. Até hoje Kim Novak pinta telas, muitas delas perdidas em três incêndios nos penhascos californianos diante do mar, onde a atriz viveu a partir de 1961, e de onde podia avistar o cenário de “Vertigo”. É uma pintora por vocação, a lutar com a fixação em óleo de autorretratos, pássaros, os rostos de seus pais, as ondas do mar, os rasgos do céu. Pinceladas com a mão esquerda que, mostradas no filme, são como voos – ou, por que não dizer, “vertigens” – de representação.

Kim Novak começou a vida profissional como modelo fotográfico, durante os meses de férias escolares. E, mesmo depois de atraída ao cinema, não se via como intérprete. Como diz, não “atuava”, à moda do que se espera de um ator, apenas reagia _ era uma espécie de reactor, o que não deixa de ser uma classificação estranha. As grandes interpretações cinematográficas nascem justamente da capacidade de reação de um rosto. Desde a época silenciosa, o rosto e o corpo disseram tanto ou mais que as palavras.

O célebre tailleur cinza, desenhado por Edith Head, em cena de “Vertigo”: para enxugar as lágrimas

Quando Hitchcock a escalou para “Vertigo”, ela desconhecia o trabalho do diretor. Mas gostou do roteiro, a ressaltar a dualidade em sua personagem, condição que a atriz estendeu psicologicamente a si mesma, principalmente após viver o estrelato em Hollywood. No filme, ela conta que o produtor Harry Cohn controlava sua vida profissional e a obrigava a tantos papeis diferentes que, depois de um tempo, ela parecia não saber quem de fato era. Contudo, ao lado do amigo (algo professor) James Stewart no filme de Hitchcock, a atriz encontrou um caminho para o autoentendimento. E guardou o roteiro de “Vertigo”, que, por milagre, foi salvo do fogo californiano em três ocasiões. Não só o roteiro – um figurino de Edith Head também. No documentário, ela seca as lágrimas no célebre tailleur cinza usado no filme.

Homenageada no festival de cinema de Veneza deste ano, Kim Novak parece fazer tudo apenas quando ditada por um impulso interior. E por isso há excesso de interiores, por assim dizer, no cinedocumentário de Philippe. A ultrarromantização está a um degrau ou dois do kitsch. E Kim interpreta o tempo todo, a voz não raro trêmula, mesmo quando diz apenas reagir às caixas de memórias que incumbiu o diretor de reabrir, de modo a novamente “surpreender-se”. Contudo, se você construiu seu conhecimento a partir do cinema clássico de Hollywood, não deve perder este filme por motivo algum. Grandes emoções, grandes histórias.

O diretor Alexandre O. Philippe

Um corpo que cai, por Kim Novak
Alexandre O. Philippe
EUA
76 min

Falado em inglês.
Legendas eletrônicas em português

12 anos

MULTIPLEX PLAYARTE MARABÁ – SALA 4: 21/10/25, 19h40
RESERVA CULTURAL – SALA 1: 22/10/25, 13h

CINEMATECA SALA PETROBRAS: 23/10/25, 16h30

ESPAÇO PETROBRAS DE CINEMA SALA 1: 24/10/25, 13h30