Não gosto de caridade. Não tenho esperança ou fé. Sou um espírito disperso, sem o alento das crenças. Em São Paulo, contudo, respondo ao que a miséria me pergunta.
Diante do pequeno Pão de Açúcar da rua Pamplona, são dezenas de mães, pais e filhos a despertar cotidianamente dos passantes a compaixão, diria mesmo a pena que, jovem e altiva, um dia eu rejeitei exercer diante de um outro ser humano como eu.
Ontem, uma mulher de 40 anos, os dentes escangalhados, sentada sem reação no meio-fio da calçada do supermercado, deu um giro sobre o corpo quando me viu entrar. “Preciso de arroz ou feijão, é sério, pra comer.”
Não sei se se tratava de uma profissional de quem pede. Há tantas pessoas assim pela cidade. Sempre penso que são miseráveis de qualquer forma. O ofício de implorar, eu não queria ter.
Aparentemente sou o rosto a quem recorrem quando ninguém mais responde. Disse-lhe que me esperasse e ela ficou exultante. Fui fazer minhas compras e quase me esqueci do que lhe prometera. “Arroz e feijão, Rosane, arroz e feijão”, e dei meia volta. Comprei das marcas mais baratas. Me sinto dura, sem vaidade. Mas ainda tenho o que possa dar.
Ela me esperava na saída, diante do caixa. Olhei-a mais de perto. Luminosa. Negra. Os dentes já não me pareciam tão ruins. “Hoje vai ter janta?”, perguntei-lhe sorrindo. Ela sorriu de volta. “Sabe, ninguém acredita em mim. O que eu mais queria nessa vida era trabalhar. Mas não sei ler nem escrever, o que posso fazer?”
Como sempre acontece nesses momentos, quem pede algo urgentemente não me dá muito tempo pra conversa. Ela pegou seus pacotes e saiu pela rua acima, rumo a algo ou alguém.
Teria se tornado não uma Beyoncé da vida, talvez uma Cardi B, pensei sem raciocínio, se o ambiente lhe fosse favorável, como parecia começar a ser no Brasil. Mas essa Bey não sabe ler nem escrever. Ou talvez diga não saber, pela sobrevivência.
Pequena estrela da empatia, eu lhe desejo uma ceia de mil e uma noites.