Vocês vejam como são as coisas.
Hoje fui pintar minhas unhas de lilás. Mas de repente achei que a cor não combinava comigo. Escolhi a Audrey da Impala. Violetinha.
A sugestão foi da manicure, a Luana, que fez careta quando eu perguntei se o lilás da marca da Anita era legal.
Negra de pele mais clara, os cabelos penteados de lado, tipo uma Billie Holiday com sobrancelha de design, Luana tem opiniões fortes.
Expliquei que queria o lilás para a passeata e ela sorriu de lado.
Eu: “Você consegue ir amanhã depois do salão? O Largo da Batata é perto”.
“Não sei”, me respondeu.
“Só não vá de preto”, me arrisquei, “porque eles podem usar a desculpa do black block pra te isolar”.
Ela: “Acredito. A polícia ataca as pessoas.”
Eu: “E como!”
Ela: “Eu estava voltando para Osasco, na garupa da moto do meu namorado, quando o policial encostou. Meu namorado, de uniforme do emprego, apontou o bolso onde estava o documento. O policial achou que ele ia pegar o revólver. E depois passou a ameaçar: ‘Vou meter uma azeitona na sua cabeça, negão!’ Se essa passeata fosse na periferia, era isso que iriam fazer.”
Eu: “Sim, eu sei. Por isso a gente tem de ir lá no largo, na medida do possível.”
Ela: “Mas não adianta. O Bolsonaro é maioria. Muita gente que diz não votar nele, na hora agá, vota sim”.
Eu: “No segundo turno? Verdade. Eu temo isso.”
Ela: “Vai ganhar de cara. Por isso a Globo não deixa ele falar no debate, e o Alckmin, sim. Quer extra brilho na unha?”
Eu: “Pra quê?”
Ela: “Uff.”
Eu: “Não precisa.”
Ela: “Sigo um cara X no YouTube que sabe o que o Bolsonaro vai fazer: assim que assumir, vai acabar com essa história de a Globo falar o que quer. Não deixaram ele mostrar o livro! Morreram de medo!”
Eu, àquela altura feliz porque só esmaltei a unha e não precisei do alicate dela pra tirar minha cutícula:
“A cartilha? Aquilo era conversa mole.”
Ela: “Têm medo, por isso não deixaram ele mostrar.”
Vale a pena discutir homofobia com ela, Rosane?
Não.
Então: “O cara está na política há 27 anos e só aprovou um projeto, que ainda por cima o beneficiava. Ganhou o equivalente a 900 mil reais de auxílio moradia, mas tem casa. Os três filhos estão na política. Um deles votou pelo aumento do próprio salário.”
Ela: “A gente não tem segurança pra viver.”
Eu: “Concordo. Mas você acha que o Bolsonaro, eleito, vai pensar num mundo melhor pra você? Ele trabalha contra a mulher. Quer salário menor pra nós.”
Ela: “É fake news”.
Eu: “Não é. Põe no Google. Só não ponho agora porque posso estragar a unha que você acabou de pintar.”
Respiro. Preciso da paciência que facilmente se esgota nela. Não posso sair de lá assim, minha mão ficou até bonitinha!
E volto:
“Tem mais. O racismo. Você viu o que ele disse pra Preta Gil? Ela perguntou qual seria a reação dele se um filho namorasse uma negra como ela.”
Ela: “Preta Gil?”
Eu: “Sim. E a resposta dele foi mais ou menos esta: ‘Meus filhos foram muito bem educados pra acabar com pessoas como você’.”
Ela: “Não vi isso.”
Eu: “Dá um Google.”
Ela: “Vou dar.”
Passou o spray pra minha unha ficar seca e o vapor subiu pelo ar.