Melhor que o Brasil

Pego o uber da semana.

Não há bandeirinha brasileira desta vez. Só um penduricalho que cai do espelho sobre o vidro da frente. Uma mini-árvore de natal listrada com a bandeira americana.

Caramba.

O motorista tem cabelo hipster-sertanejo. Um montinho no topo, os fios engomadinhos pra trás, máquina zero no resto da cabeça.

São tantos quilômetros com este rapaz, meu benedito.

E de repente ele ainda quer conversa.

E eu penso: é isso. Você está no mundo, Rosane, para ouvir o uber.

“Não achei que o trânsito estivesse bom hoje com tanta coisa acontecendo no Brasil”, ele começa.

(E estou resumindo. O motorista fala complicado. Vai, volta e vai. As frases incompletas se engancham umas nas outras. Não sou o Adnet. E mesmo o Adnet precisa estudar muito antes de imitar.)

“Sim” – respondo logo. “Uma confusão neste Brasil.”

“Quem quer que chegue lá vai ter trabalho”.

(Ele não acha necessariamente que Bolsonaro vai chegar “lá”.)

“Você tem de considerar que o Temer é o presidente e piorou o Brasil”, digo.

Ele não me responde e parte logo pra seu assunto. Solidão é coisa dura.

“Meus amigos dizem que eu sou bobo de pagar previdência, porque vai tudo acabar, mas não acredito. Preciso ter futuro”.

“Verdade.”

“Não é?”

“Nem o Temer conseguiu votar a previdência do jeito que ele queria”, eu digo. “Talvez não seja fácil de acontecer. Quem quiser mexer nisso vai ter problema.”

“E o Bolsonaro, hein?”

Jesus.

“Você está me perguntando? Nem que um raio me parta em duas. Não aceito um homem desses, não mesmo.”

“Tem essa coisa das armas, né? Ele vai armar todo mundo?? Então vai morrer todo mundo!”

Algo estranho nesse rapaz. A bandeira e o cabelo não ornam com nada.

E ele prossegue sempre rápido.

“É que o povo não quer o PT. Quer renovar.”

“E o que tanto esse povo odeia no PT, moço?”, pergunto. “Porque, olha, o povo pôde estudar graças ao PT, pôde morar, comer. O povo melhorou de vida com o PT e isso não atrapalhou os bancos, que sempre ganharam em cima de nós. O que o povo pode ter contra o PT?”

“Sim”, ele responde logo. “Exatamente. Também acho. E o racismo?”

Estou sem fôlego. O motorista é branco. Branquela. Parece que não fala com ninguém há seis meses. Não tem mais que 25 anos.

“Meu irmão, por exemplo”.

“Seu irmão é negro?”, pergunto.

“Sim. Foi trabalhar como professor no Senai de Limeira. Tem 21 anos e passou no concurso! Mas vai vendo. Chegou pra assumir seu lugar e ninguém queria ele. Um coordenador só resolveu bancar. Meu irmão é muito engraçado, tira uma de tudo e de todo mundo. Agora tem uma coisa. Na aula, é o mais sério que existe…”

“E conquistou o pessoal!”

“E agora não querem que ele saia mais de lá.”

“Limeira é legal?”

“É sim! Não tem trânsito. As pessoas respeitam o PARE. A comida é boa. O supermercado é novo. Se você não pode sair do Brasil, pode ir pra Limeira. “

“Você vai pra lá também?”

Não me responde.

“Meu irmão já disse que não volta. Ele pensa: puxa, aqui eu posso viver mais. Não preciso ter medo da polícia. Ninguém vai me arrancar do carro quando eu dirigir à noite.”

Penso nos pais desses meninos. Grandes pais.

“Não tem Bolsonaro que estrague a vida dele em Limeira, você acha?”

“Aquele homem louco.”

“Você não vota nele, né?”

“No Bolsonaro? Não dá.”

“E vota na democracia?”

“É isso o que eu acho que vou fazer, senhora.”

“No Haddad, então?

“Democracia é melhor.”

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