Não foi a primeira vez.
Nos meus 35 anos como jornalista, jamais deixei de sentir o machismo que me perseguia e silenciava.
Chefes e patrões exerceram o assédio e a humilhação em relação a mim e a meu trabalho inúmeras vezes.
Daria um livro sujo se eu contasse tudo o que aconteceu, a rigor, desde os dias de aluna de graduação em jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da USP, lá nos 1980.
O processo é contínuo.
Pouco tempo atrás, fui demitida junto à única outra jornalista de minha equipe cultural para que a revista onde eu trabalhava cedesse lugar a três homens, num golpe a meu ver sem precedentes nesse meio profissional.
O que sofri ontem, portanto, não é novo e persegue essa linha de silenciamento, usual na academia também.
Vou contar o que aconteceu, mas primeiro gostaria de dizer uma coisa que embasa todas as outras.
Dificilmente aceitarão se você, mulher, ousar escrever sobre cinema ou exercer a crítica cinematográfica no Brasil, não importa a habilitação que tenha para tal.
E só adentraremos o clube privê com muita luta, ignorando a rejeição.
Ontem ouvi o grito alto de um homem que por muito tempo foi (ou vem sendo) o crítico dos críticos na imprensa brasileira.
Inácio Araújo, ele mesmo.
Araújo escreveu em seu blog não compreender a razão de a cinematografia do diretor Ugo Giorgetti ter sido sempre ignorada pela academia no Brasil.
E louvava o fato de que a Unicamp acolhera neste ano uma residência sobre o trabalho do artista, num reconhecimento inédito.
Li isto e pensei: o quê?
Fiz um mestrado na Universidade de São Paulo, orientado pelo professor Elias Thomé Saliba, que resultou em livro sobre o artista. “O Cineasta Historiador” foi publicado pela editora Alameda em 2015.
E antes desse livro, em 2004, escrevi um depoimento sobre a carreira cinematográfica de Giorgetti intitulado “O Sonho Intacto”, publicado pela Imprensa Oficial.
Fui a primeira a estudar o assunto, com detalhamento, no Brasil.
Não por acaso, a própria Unicamp, por meio de seu Instituto de Estudos Avançados, e durante aquela mesma residência citada pelo crítico (e à qual ele também compareceu, mas na plateia, em dia distinto) acolheu-me para expor meu estudo em torno do humor, que denominei “frio”, na obra do artista.
O que Araújo ignora a respeito de tudo isto, a ponto de colocar à sombra o que escrevi?
O homem célebre pode não gostar do que escrevi. Pode estar pensando em produzir algo a seu modo, ou mais específico, sobre a obra do amigo. Pode almejar, ele próprio, a academia.
Digo eu: almeje direito!
Porque ignorar um trabalho no qual, aliás, cito um trecho por ele assinado, não é um bom começo…
Ademais, como homem da informação, ele agiu por irresponsabilidade ou intuito?
Acho que tenho a resposta.
Ele não praticou esse ocultamento à toa.
Vejo um machismo, consciente ou não, a orientar o silenciamento da produção intelectual de uma mulher.
Um colega igualmente crítico, ao saber do que houve e lamentar o ocorrido, jogou panos quentes sobre esse constrangimento.
Disse que eu deveria relevar o que o grande Araújo escreveu, a gafe que cometeu.
Ele estaria velho e alquebrado…
Me perdoe, não relevo.
A idade apenas traz o que somos, aprofundado pelo tempo.
E por que lhes digo essas coisas?
Não vou mudar o que o Araújo é. Nem o que seus partidários são. Mas quero compartilhar a história em prol de nosso fortalecimento. A gente não deseja para os outros o que sofreu.
E, felizmente, todas nós ainda temos bons olhos pra ver.