Paul Klee, mostra rara no CCBB
Um professor da Bauhaus que espraiou a fé moderna.
Um cavaleiro azul, como Kandinsky.
Irrepreensível autor de abstrações.
E mais talvez não saibamos, neste distante Brasil, sobre Paul Klee, morto aos 60 anos, em 1940, na Suíça onde nasceu.
Ele não foi um Picasso da boemia aspirante ao salão burguês. Não se exibiu com raras sedas entre mecenas marquesas para chocar os burgueses. Nem conhecia pessoalmente os grandes modernos europeus…
Teve uma mulher, pianista, a musa Lily, que por um tempo o sustentou, e com ela viveu até o fim. E junto aos dois, o filho Fritz.
“Lily”, 1905, lápis e aquarela sobre papel sobre cartão
Não há saias e seios que se insinuem como escândalo em sua obra artística. Mas suas mulheres às vezes fogem de um predador.
“Perseguição”, 1932, bico de pena sobre papel sobre cartão
Existem avós, equilibristas, circo e humor nele…
“Equilibrista”, 1923, litogravura
Sem contar os homens partidos.
“Jovem proletário”, 1911, óleo sobre cartão
Temos certeza de que Klee foi um moderno?
Melhor dizendo, o mais moderno?
No Museu de Arte Moderna de São Paulo, está a única obra em acervo do artista no país, uma água forte de 1914 cujo título é perfeito: “Mundo Pequeno”.
Mas, sejamos justos.
Todos os títulos que Klee deu a suas obras tocam a perfeição. Títulos não raro saídos de sua imaginação poética aleatória, depois de ele tomar vinho com a esposa e brincar com Fritz:
“Avô dirigível”, 1939, bico de pena sobre papel sobre cartão
“Um rosto também do corpo”, 1939, tinta de cola e óleo sobre papel sobre cartão
“Um marinheiro pressente seu fim”, 1938, tinta de cola sobre papel
Talvez em razão deste tão amplo desconhecimento, nós nos esqueçamos da poesia que exista em cada Klee. Ou nos sintamos tão incorretos ao evocá-la numa arte entendida como um processo de criação…
A poesia, usualmente nós a vemos como um derramamento.
Sentimentos parecem não combinar com a racionalidade vanguardista. E mal identificamos os rios transbordando em uma obra dele…
Mas pensar não é um sentir?
Pois Paul Klee derramou-se, sim, em muitas águas familiares, diz-nos esta exposição de 120 obras no CCBB-SP tão belamente intitulada “Equilíbrio Instável”.
“Retrato de uma criança”, 1908, aquarela sobre papel
A mostra foi preparada especialmente para os brasileiros pelo Zentrum Paul Klee, de Berna, que possui quatro mil de seus trabalhos.
(“Equilíbrio Instável” se encaixa tão bem no Brasil, não é?)
Em estilos diversos, inspirado na natureza, na geometria, no movimento, na síntese, Klee transbordou-se em sua trajetória.
Expressionista, cubista, surrealista?
“Mulher no banho de sol”, 1939, aquarela e lápis sobre papel sobre cartão
“Eu sou meu estilo”, ele escreveu no seu diário em 1902, aos 22 anos.
Na maioria das vezes, contudo, transbordou-se em papel. Uns quinze por cento apenas de suas dez mil obras são pinturas.
E desenhos reduzem o impacto da solidez para um mercado. O que fazemos com eles? Como os colocamos nas paredes?
“Fantasma cristão”, 1939, giz sobre papel sobre cartão
Klee começou a esboçar bem cedo, por incentivo da avó, dona Anna Catharina Rosina Frick. Desenhos em que mulheres são damas entronizadas com altivez e mistério.
“Cavalo, trenó, duas senhoras”, 1884, lápis e giz sobre papel sobre cartão
Nas aulas de nu artístico italianas, poderia eventualmente colocar-lhe rabos…
“Sem título”, 1899, lápis sobre cartão
Sua Lily vem representada de todas as maneiras. Ela tem perfil pra existir em Toulouse Lautrec.
“Lily”, 1905, lápis e aquarela sobre papel sobre cartão
Mas esta mostra plena de delicadeza, cronologicamente preparada pela curadora Fabienne Eggelhöffer em três andares do CCBB, tem muitas surpresas.
Por exemplo, uma natural ascendência sobre artistas do final daquele século como Basquiat, nos estudos sobre anatomia e nas representações que quase ensinam a grafitar…
“A entrada da trompa”, 1939, carvão sobre papel sobre cartão
Especialmente falam aos tempos e ao coração suas representações sobre o nazismo, nunca diretas, antes evocadas como profundo e íntimo testemunho…
“Acusação na rua”, 1933, giz sobre papel sobre cartão
Alguém como ele, que não pôde mais ensinar na Alemanha por ter sido apontado como judeu (o “crime” judeu!), sem nem contudo o ser… Alguém que teve a casa revirada e que precisou voltar às pressas a Berna com a família, em 1933, por conta da acusação de praticar uma arte “degenerada”…
“Riscado da lista”, 1933, óleo sobre papel sobre cartão
Quero deixá-los com os anjos de Klee, situados no andar privilegiado de sua obra tardia. A doença autoimune que se manifestou nele no decorrer dos últimos anos, uma esclerodermia, endureceu sua pele e articulações…
“Anjo esquecido”, 1939, lápis sobre papel sobre cartão
Mas, mesmo assim, não parou de trabalhar…
Notem o humor! A expressão precisa! Nossos olhares que percorrem todas as dimensões do desenho!
“Anjo feio”, 1939, giz sobre papel sobre cartão
Que artista.
E ainda podemos vê-lo! Nem tudo perdemos.
EQUILÍBRIO INSTÁVEL.
Paul Klee.
CCBB-SP, de 13 de fevereiro a 29 de abril de 2019.
Entrada gratuita.
ccbbsp@bb.com.br