As cartas suicidas não são ridículas

Amo vocês, saibam.

Mas não aguento mais sua discussão sobre publicar ou não a carta de Migliaccio, que certamente a fez pra ser lida como um último ato.

No dia em que a imprensa parar de publicar as ofensas de Bolsonaro e seus encontros sorridentes com notórios torturadores;

no dia em que os jornais se negarem a espetacularizar os massacres nas favelas, o heroísmo dos tropas de elite sumindo com amarildos, no dia em que pararem de dar cartaz para os fuzilamentos na escola do Realengo;

no dia em que a imprensa deixar de noticiar os fogos que destroem as creches municipais onde morrem as crianças sufocadas depois do soninho da tarde;

no dia em que se esquecerem que uma mãe no Paraná, há 25 anos, entregou o filho ao sacrifício ritual de uma seita de falsos macumbeiros;

nesse dia em que, espero, o capitalismo esteja morto e enterrado, juro que defenderei o dever sagrado de silenciar o Migliaccio e sua dor.

Por enquanto, eu a difundo e ainda publico aqui uma carta de outro suicida, entre tantos e tantos da história cujos bilhetes finais dariam um livro pro Rogerio de Campos publicar.

Eis a carta que o poeta Vladimir Maiakovski nos deixou:

“A todos

Ninguém é culpado da minha morte e, por favor, nada de fofocas. Ao defunto não lhes gostava.

Mãe, irmãs e camaradas, sinto muito, este não é o caminho – não recomendo a ninguém – mas não tenho outra saída.

Lília, ama-me.

Camarada governo: minha família é Lília Brik, minha mãe, minhas irmãs e Veronika Vitodóvna Polánskaia. Se lhes fazes a vida suportável, obrigado.

Os poemas inacabados dá-los aos Brik. Eles os decifrarão.

Como se costuma dizer:

“Acabou-se”,

o barco do amor

se arrebentou contra a vida cotidiana.

Estou em paz com a vida, não vale a pena recordar

sofrimentos,

desgraças

e mútuas ofensas.

Sejam felizes.

Vladimir Maiakovski, 12-4-1930

Amigos do VAPP não penseis que sou frágil. De verdade, não podíeis me ajudar. Cumprimentos.

Dizer a Yermilov que me arrependo de haver tirado a nota, era necessário haver lutado até o final. VM

Sobre a mesa há 2.000 rublos, para pagar os impostos.

O resto cobrar ao Giz.

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