Mostra de cinema egípcio traz esta narrativa poética sobre o luto, de 2014

A palavra é imprescindível ao cinema. Ela estrutura o drama. Mas um filme não precisa necessariamente de narradores ou diálogos. A ausência da palavra na tela obriga ainda mais à criação de imagens para expressar um sentimento. Se você quer demonstrar que um personagem está distraído de tristeza, pode colocá-lo sentado na polia de um trem antigo, como fez Buster Keaton, e fazê-lo cabisbaixo enquanto o veículo se move. O cinema, por ser mudo, não dispensa o drama, porque cinema é arte dramática em primeiro lugar.
Contudo, pode também ser arte dramática poética, como esta de Karim Hanafy, O PORTÃO DE PARTIDA (2014). É um filme sem diálogos sobre o luto. Sobre a ausência materna incessante. Sem sua mãe, o pretenso narrador perde-se de si mesmo e se funde nela. Intensificado por um silêncio verbal com música, o filme parece existir para que saibamos como se ligam os seres interiormente. E como a existência é um exercício coletivo da memória onírica.
A mãe embarca atravessada pela luz da janela, paramentada pelos vestígios do passado, as pérolas e o vestido de casamento. O filme evoca a história e o tempo por meio de caminhos e portais. E há também o cemitério, aquele vizinho constrangido da morte. As atuações são pungentes, marcadas por vezes pela câmera lenta. A fotografia ensolarada oscila entre o preto e branco e a cor. É um filme, como poderia ser uma oração.
O PORTÃO DE PARTIDA
Diretor: Karim Hanafy
EGITO, 2014, 65 min