
minha infância,
único modelo.
eu existo irrestrita.
miúdo não é tamanho
nem limite.
por mais duros que se mostrem os adultos, eu tenho a altura deles.
em minha memória mais remota, com um ano e meio tento escalar a pia do banheiro à procura do espelho.
não me lembro se chego lá, se gosto do que vejo.
mas o que mesmo quero ver?
o que preciso descobrir?
sempre em busca do que segredam de mim.
tia vitória ri ao descrever minha festa de dois anos.
sou a única criança na sala dos pais.
quero ultrapassar os adultos em direção ao bolo na janela e peço: “lichencha”.
presas no teto, as bexigas me interrogam.
ando estalada, os joelhos juntos,
a cara, íntima do chão.
as feridas nas pernas sempre recentes.
eu tiro as cascas com as unhas até o sangue novo aparecer.
voo feito a noviça do seriado e pisco os olhos contra as pessoas todas, para vê-las sumir.
por que, jeannie, nunca sei fazer isto realmente?
por que é tão difícil invisibilizar os homens?
eu que planejei tanta coisa,
que explodi meus medos centenas de vezes…
estou agora neste cercado à espera que a derrota passe e eu possa reencontrar o mundo.
o avião.
o 14 bis da praça onde me achei e me perdi.