Documentário sobre o diretor presente na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo explora as entrevistas concedidas pelo artista ao crítico Michel Ciment e o material de arquivo em torno de sua produção de 40 anos

Por quarenta anos e 13 filmes, a carreira do diretor estadunidense Stanley Kubrick foi tida como a melhor possível entre as dos artistas viventes, como sugere este documentário dirigido pelo francês Grégory Monro. Fizesse ele um filme sobre a guerra e seria, se não o mais visto, o melhor de todos os tempos. Assim também ocorreria com todo o novelo que o artista desfiasse sobre o desejo, a história, a ficção científica, o terror. No fim das contas, Kubrick não exerceria um gênero, mas radicalmente a si mesmo, em busca de precisão existencial para seus filmes.

Quando as palavras do crítico Michel Ciment pousaram sobre ele na revista Positif, o diretor encantou-se. Decidiu então conceder-lhe entrevistas por 30 anos, detalhando seus ímpetos e intenções, até que a conclusão sobre a obra do artista pudesse ser descrita pelo crítico. Para Ciment, todas as tramas do cineasta parecem ocorrer numa época de grande cultura e racionalidade, até que, de repente, o irracional explode.

O filme usa as gravações feitas por Ciment em três décadas e os arquivos mantidos pela família do diretor, morto aos 70 anos, em 1999, enquanto realizava “De olhos bem fechados”. Seu trabalho como fotojornalista na revista Look, que o ajudou a tratar com originalidade a composição e a luz no cinema, é exemplificado numa passagem. Sua atividade como baterista de jazz, que lhe trouxe um sentido rítmico na direção e na montagem das cenas, aparece como informação surpreendente. Não raro eram as filmagens realizadas em cenários a 15km de sua residência inglesa, onde vivia com a mulher e as filhas e onde também mantinha os equipamentos para editar seus filmes.

a luz das velas era a única iluminação
O mais intrigante parece ter sido sua obsessão ao filmar. Trinta e oito tomadas até que Sterling Hayden mostrasse terror em seus olhos, mais outras tantas para o furor de Jack Nicholson surgir naturalmente…
Kubrick gostava de se comparar a Napoleão Bonaparte, um estrategista do ritmo da batalha no set. Muitos poderiam tê-lo acusado de perfeccionismo, mas, como lembra Malcolm McDowell, Kubrick de nada sabia, muito menos onde colocar a câmera, até chegar o dia de filmar. E, se gostasse do ator, incorporaria suas ideias e se orientaria a partir delas, como aconteceu com ele próprio, que decidiu cantar “Singin’ in the rain” numa sequência de estupro de “Laranja Mecânica”, ou com Peter Sellers, que em “Doutor Fantástico” decidiu manter incontrolável o braço direito, esticado ao bel-prazer para a saudação nazista.

uma ideia de Peter Sellers que Kubrick incorporou em “Dr. Fantástico”
KUBRICK POR KUBRICK é um documentário tradicional, que não renova depoimentos, mantendo apenas aqueles colhidos no passado. Aliados às falas do próprio artista, compõem uma crítica estática em relação a esta importante obra que o tempo se encarrega de continuamente movimentar.

Kubrick por Kubrick (Kubrick Par Kubrick)
Dir. Grégory Monro
França
2020
72 min