Filme de Radu Jude que parodia a caótica realidade romena, em cartaz na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, ganhou o Urso de Ouro em Berlim

Diz-se da paródia que é o canto paralelo a uma obra artística, literária ou fílmica, muitas vezes operado em sua forma humorística. Contudo, além da obra artística, a paródia pode espelhar a realidade quando esta se oferece mais rica em possibilidades de escárnio que a literatura, por exemplo. Pornô Amador, do romeno de 44 anos Radu Jude, vencedor do Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Berlim, é um delicioso canto paralelo do real. Muito se diz que esta realidade aproxima-se da brasileira, e é fato. O caos, a violação, o preconceito e a falsa moral merecem, aqui ou lá, que os artistas a escrachem com humor crítico, disposto a derrubar o indesejado estado de coisas de uma vez.

Contudo, as semelhanças com este país param por aí. Porque, no Brasil, convive-se com a submissão gentil à opressão, enquanto na Romênia de Radu Jude os temperamentos estão sempre raivosamente quentes, ainda que igualmente ineficazes, contra o que se vive no cotidiano. O humor dos romenos é o mau humor, é a briga, o ardor.

O argumento do filme, muito simples, não oferece reviravoltas, exceto na terceira e derradeira parte do filme. A professora que faz um vídeo caseiro de sexo com o marido é surpreendida ao constatar a filmagem na boca do povo – a internet. As crianças descobrem o filme e o mostram em casa. Pornô Amador transcorre em um dia da vida desta professora até que a noite chegue e ela precise enfrentar os pais em uma reunião escolar à qual foi especialmente convocada. Será demitida por obscenidade ou conseguirá provar sua óbvia inocência? A reunião, na apoteose do filme, é alegórica das instituições romenas: o militarismo, o racismo contra os ciganos, a alienação social, o amor ao dinheiro, o falso puritanismo, o descrédito à cultura e o analfabetismo funcional são representados por atores cômicos específicos. A professora, no fim das contas, será a única a interpretar a lucidez, ainda que mal-humorada também.

O filme é construído sobre três engenhosas partes. A primeira, que se pode chamar turístico-reflexiva, apresenta a paisagem de Bucareste com o devido respeito às contradições urbanas. A câmera flâneur não se resume a localizar a caminhada da professora pela cidade, antes se distancia dela para acompanhar os letreiros, os grafites, a arquitetura mal ajambrada. Tudo nessa Bucareste é o caos que não se ordena, o mecânico e repetitivo sobre o vivo, a piada em elaboração.

Na segunda parte, as reflexões assumem independência e vêm apresentadas de inúmeras maneiras, submetidas a jogos godardianos entre palavra e imagem. “Melhor parir um bezerro que infartar”, diz a loira que, perseguida por um touro, decide ceder a sua força. As anedotas sobre o terrível passado histórico se seguem. O braço direito paralisado de um paciente alemão só se mexe, esticando-se para a frente, quando um médico grita “Heil, Hitler”. Um personagem se alegra com o naufrágio do Titanic porque “o mar ainda existe”. E há quem sentencie que a beleza da mulher reside em seu marido. Nesta parte, a melhor do filme, a vida humana se vê apresentada como tragédia e comédia. E a pornografia é o reino de terror do coração.

PORNÔ AMADOR
(“Bad Luck Banging Or Loony Porn”, “Babardeală Cu Bucluc Sau Porno Balamuc”)
Romênia, Luxemburgo, República Tcheca, Croácia
Direção: Radu Jude
2021, cor, 106 min.
Ficção