Cancelaram o francês

Seria preciso ler o artigo do colaborador do NYTimes do dia 6 para entender por que ele viu nos desenhos de Pepe le Pew, o Pepe le Gambá, um incentivo à cultura do estupro. O que me contam é que seu apelo pelo cancelamento foi ouvido pelos executivos da Warner, que anunciaram o veto de acesso aos filmes a partir de agora.

Talvez essa animação fosse de início apenas uma grande sátira ao francês, um aprofundamento do estereótipo segundo o qual na França os homens não tomam banho e ainda assim se veem como grandes amantes. Seu criador foi Chuck Jones e Tex Avery, o diretor mais constante até 1969. Nunca assisti ao revival que começou em 1987.


Humor se baseia em estereótipo, em caricatura. E ali parecia acontecer a típica reação de uma nação pouco valorizada por sua cultura (a americana) contra outra excessivamente apreciada por isso, a europeia. Em 1945, depois de os Aliados venceram a guerra contra o Eixo, a Warner deve ter achado que seria boa hora para intensificar a crítica aos franceses, afinal colaboracionistas.
De resto, não sei se algum menino se animou com a perspectiva de Pepe ao assistir a esses desenhos. O gambazinho não se enxergava, era um imbecil. Apaixonou-se por uma gatinha preta achando que ela fosse um gambá também, já que uma tinta branca caíra em seu dorso e fizera com que se assemelhasse fisicamente a ele.


A gatinha tinha horror ao gambá, murcha e atormentada diante do sem-noção. Nós que assistíamos àquilo nos sentíamos aflitos e ríamos da estupidez do gambá. Terá alguma criança se identificado com Pepe a ponto de sair por aí, na vida adulta, estuprando mulheres? As crianças que conheci riam de Pepe e se identificavam com a mocinha, torcendo para que escapasse logo.
Por fim, pelo menos em sua primeira fase, era um desenho muito bonito e bem feito, com cenários inspirados na art déco. Bastava que a Warner, antes de cada exibição, esclarecesse as circunstâncias dessa produção, e que os DVDs contendo os desenhos colocassem uma introdução histórica situando a criação.


Enfim, muita água ainda rolará debaixo desta ponte e a gente sempre terá mais o que fazer.

Comigo sempre

estava comentando com uma amiga:
cancelamento é o que mais aprontam comigo.
porque sou jornalista, historiadora e sou mulher.
e vivo neste amado brasil onde minha condição de ser pensante é um atrevimento.
e, pior que muita gente, não tenho influência empresarial, nem dinheiro, nem nada que me defenda.
mas é preciso pensar uma coisa.
não existe cancelamento pra sempre.
existe debate.
existe o que se é.
e basta esperar.
embora a espera seja difícil, eu a espero sonhando, conforme aconselhou o jorge.
e tudo um dia se resolve, porque a verdade é como a força de uma serpente…
de duas cabeças.