Elis no cercadinho

O documentário “Elis e Tom” tem muitas versões a proferir, entre elas a dos homens de poder sobre a morte da cantora

“Águas de março” a unir, ora separar, os artistas a quem nos devotamos

Que idade engraçada a minha. Virei inclusiva, quando antes prezava a seleção. Não é porque meu tempo pra viver diminui que vou afunilar as preferências, certo?

Aceito finalmente não ser mais capaz de ler tudo. E vou tirando aprendizado do que é surpreendente, abrindo a margem de apreciação, como uma historiadora do presente. Respiro entre resignada e curiosa o filme bom, o filme ruim, o show fiasco, o show incrível, livro raro, livro capenga, série coreana, drag race, série japonesa.

Hoje, enquanto o Rio pegava fogo e o infanticídio prosseguia em Gaza, fui ver “Elis e Tom”. Vivo meus tempos de assistir com prazer (sossegue, jovem Rosane) aos cada vez menos raros documentários sobre música brasileira – assunto, aliás, que se respira 24 horas na casa em que vivo e sobre o qual guardo histórias sensacionais.

Achei “Elis e Tom” um filme bom ou ruim? Não esperava que fosse bom. Mas amei desde o início a ideia de um filme sobre a feitura de um disco, sobre um trabalho musical em tudo improvável, dada a diferença de compreensão musical entre os titulares, ao qual o tempo atestou imensa importância. Se eu mesma escrevi um livro inteiro sobre um filme! Então adorei essa característica, ao menos. Muitas imagens de época, sorrisos, xingamentos nervosamente risonhos de Tom Jobim contra César Camargo Mariano (dois meninos mijando no cercadinho, aos quais Elis Regina não conseguia impor limites), unhas roídas de nossa cantora maior, ela interpretando playbacks compungida diante das câmeras, muito atriz, quem diria… Festa!

Sem falar do Tom Jobim encrenqueiro, anárquico, inconformado que um arranjador de 26 anos (o Mariano então marido de Elis) se metesse no disco cujas composições eram suas, francamente!

Eis um filme desajeitado, ruim do início ao fim, incapaz de explanar o conteúdo do disco ou tecer-lhe uma crítica musical, exceto pelas palavras de um estadunidense bajulador como Jon Parels, mas com tantas informações para fornecer. A principal, para mim: como sofreram as mulheres de talento nas mãos dos homens de poder daquele tempo!

André Midani, o produtor-mago a quem o filme é dedicado, decreta e estabelece que Elis Regina se suicidou aos 36 anos porque não queria envelhecer diante dos fãs, e o diretor Roberto Oliveira engole a tese na maior…

Sinceramente!

Mas, se puder, encare este filme. A gente não conhece tudo. E este pedaço da história, você certamente saberá encaixar no lugar certo.

Compungida sobre
o playback:
Elis maior