Um longo penar

Admirado por Machado de Assis e um dos mais prestigiados autores de seu tempo, José de Alencar foi um expoente do nacionalismo romântico, aquele que buscava no indígena uma “identidade brasileira” original.

Ao argumentar longamente a partir de um trecho do texto de posse do novo chanceler, a colunista Eliane Brum nos lembra hoje desse nacionalismo praticado pelo escritor, como por Gonçalves Dias, mas deixa de lado outras facetas de Alencar.

No teatro, Alencar promoveu uma comédia que intitulou “realista”, didática, de bons costumes e polida, que Machado buscou sem muito sucesso seguir.

Na política, Alencar defendeu que a escravização dos negros, então agonizante e sob descrédito generalizado, se extinguiria naturalmente, sem a necessidade de um decreto de abolição. E que nosso sistema econômico colonial, baseado no trabalho forçado, entraria em colapso se a libertação ocorresse de forma indiscriminada.

Machado não confrontou diretamente este ponto. Alencar era uma figura inalcançável, quase paterna, que muito contribuíra para o reconhecimento literário de seu discípulo.

Em seu artigo hoje para o El País, Brum não ressalta esta passagem ao evocar o Alencar citado pelo chanceler aloprado na posse. E anuncia (acho um verbo adequado) que nos explicará o porquê de Araújo ter mencionado o autor de “Iracema”. Brum tem todas as certezas e pacientemente as mostrará a seu leitor.

Ela argumenta que Araújo descontextualizou Alencar pra tentar provar a grandeza de um ensino isento de “ideologias de marxismo cultural”. Mas que passou longe de seu objetivo, já que o discurso de Alencar fez sentido naquele tempo de formação e que não faria hoje, adaptado canhestramente por Araújo para uso nostálgico e manipulador.

Tudo bem, o chanceler é um banana que talvez nunca tenha ouvido falar de contexto histórico. Contudo, se Brum tivesse notado o importante detalhe da defesa de um sistema colonial moribundo escravagista pelo Alencar, certamente teria melhorado sua argumentação.

Porque é o tolerante à escravização que Araújo defende em Alencar, não o nacionalista de puro ideal. É outro o modelo que o chanceler nos deseja impor por meio da evocação de um trabalho literário.

Me deu a impressão de que a jornalista sabe sobre Alencar tanto quanto o colegial que um dia fomos nós; que pegou uns livros dele da estante e adaptou trechos a sua convicção no momento de escrever.

Tem sido assim com a Brum de que tantos amigos parecem precisar. Desinteressada da pesquisa, ela fala o que sua formação mediana e sua intuição lhe ditam. Quando isto já bastou a um pensador, a um jornalista, por mais que ele conheça a língua portuguesa e não dê vexame ao escrever?

Intuição não resolve tudo.

Pensar é penar.

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