Meu respeito pela artista Laerte não poderia ser maior. Nos quadrinhos, que ela diz não mais fazer, e na charge, que ainda pratica, eis alguém que ampliou os sentidos e as ambiguidades, o pensamento e a intuição. Uma artista grande a ponto de ter mudado o panorama mental que rege o fazer no Brasil. Hoje são mais e mais os sofisticados desenhistas como ela, a alargar o que vemos. Graças à Laerte, talvez, hoje tenhamos Quintanilha, entre outros emocionantes narradores de síntese poética.
A Laerte célebre e opinativa, contudo, me atrai certamente menos. Eu que talvez tenha me tornado mulher há mais tempo que ela não me interesso por sua apreciação em torno de atos de agressores verbais e intelectuais de outras mulheres como nós. Sua terna defesa daquele Iavelar que usou a influência como professor para assediar e ameaçar alunas, e a maneira como ela transforma a injúria de Gentili em um ato de livre expressão, a seu ver perigosamente cerceado com a decretação da prisão, me fazem sentir uma tristeza teimosa.
Porque Gentili, no vídeo contra a Maria do Rosário, apenas replica em outro registro canalha o que anteriormente dissera Bolsonaro contra a parlamentar na Câmara, um ato infelizmente e absurdamente sem punição, pelo qual até hoje, como sociedade, pagamos. Gentili, segundo a Laerte afirmara antes, apenas morde e assopra, e é inofensivo como comediante.
Sim, como comediante é inofensivo, mas apenas porque não faz comédia. Aquilo que praticou contra a Rosário e outras (a mulher que amamenta, a parlamentar gorda) não é humor. As penas por agressões dessa natureza devem ser decididas pela justiça em instância democrática, e é uma pena que Gentili não tenha sido severamente inibido antes, ou jamais agiria como age hoje.
Não me coloco contra ou a favor da prisão, mas certamente a favor de uma responsabilização. Me sinto distante dessa atitude da Laerte contrária à decisão, e sua apreciação do caso apenas me pareceu perigosamente aparentada a um corporativismo.
Mas Laerte é mais que uma celebridade opinativa, felizmente. E lerei sempre seus livros, charges, histórias, tudo isto que a liberdade de pensar ainda me permite fazer.