Não morro de amores pelo Drauzio Varela. Sou impaciente com gente vaidosa. Da primeira vez que me deu entrevista, há milhares de anos, nem me olhou nos olhos. Falou ao infinito, como se lá estivesse uma câmera de tevê. E, sim, no futuro haveria no infinito uma câmera de tevê.
Também lidei semanalmente com ele por alguns anos, quando escrevia pra Gazeta Mercantil e pra Folha de São Paulo em dias alternados da semana. Suas colunas para os dois veículos eram sempre sobre o mesmo assunto. Ganhava o dobro para dizer coisas idênticas de modos diferentes, resumindo.
O procedimento me dizia mais alguma coisa indesejável sobre ele, embora nos tratássemos bem ao telefone. A gazeta era ordinária, mal me pagava salário e quase ninguém lia aquela coisa mesmo. Se eles queriam o Drauzio replicador, ficassem com ele.
Dito isto, o que tenho a considerar sobre o episódio da trans encarcerada é que ao abraçar um preso o Drauzio não comete crime algum, indiscrição ou falta de ética. E não por ser médico.
Não sou médica e no entanto abraço trans sob o viaduto sem lhe perguntar por que foi parar no viaduto e o que faz pra ganhar a vida sob o viaduto. Se quero me aproximar de um ser humano, me aproximo.
Me perdoem, mas, pensando bem, ele tinha mais era que abraçar a presa. Tomou seu tempo, certamente sem nada lhe pagar, expôs seu rosto ao mundo e ganhou visibilidade por meio dela – embora tudo tenha dado no que deu.
Ela é uma presa, melhor dizendo: cometeu um crime e não fugiu de pagar com o encarceramento pelo que fez.
Para mim, melhor abraçar uma pessoa nessas condições do que muito safado(a) com quem trabalhei no jornalismo.
Aliás, ou abraçamos o mundo ou ele nos abraça feito cobra depois de nos picar.