
Minha cabeça que roda e roda enquanto deveria ficar quieta é incapaz de inventar coisas simples e criativas como esta que li há pouco num texto de facebook, isto é, plantar sementes descascadas de limão em canecas para perfumar a casa e a encher de vida.
Sou muito ruim de tarefas domésticas e arrumação, e minhas habilidades manuais talvez se resumam a pendurar a roupa no varal de modo a que não seja preciso passá-la. Vou mal e minimalista na cozinha, sou impossível de crochê e não me arrisco a desenhar, mesmo tendo sido filha de um desenhista exímio, mulher de um e mãe de dois bons, um deles extraordinário.
Minha casa, para quem a conhece, é um retrato de histórias. “Sem decoração”, como fez questão de lembrar uma parente, com a ponta de sinceridade (não devo dizer maldade) habitual.
Livros por todos os cantos, livros que ganhei quando os editava para as publicações gerais, a cada dia menos interessada neles. Livros que são antigos e que leio com vergonha aos pedaços, quando os leio. Livros em torno da tese que escrevi e só eu li. Tese de muitas pontas, que decidi qualificar de poligonal, e que não me possibilitou entrada no mundo acadêmico, como me lembrou um ex-amigo para justificar que ele não me defendesse quando fui publicamente ignorada por um crítico desinteressado dos livros, com lapsos de memória, mas gente de culto.
Infelizmente demoro demais a ler coisas novas, e até o pdf do livro-sensação ganhei, mas não me capturou logo nas primeiras páginas (alguma mágica que deixei de sentir), então logo me despedi dele, para começar a Felicidade Conjugal de Tolstói, homem cuja vida ou personalidade jamais admirei, mas que escreve como quem conversa as coisas desde seu princípio até sua impossibilidade.
Não sou uma scholar e não leio tudo, mas deixo de fazê-lo com culpa. Com culpa e responsabilidade. Tenho filhos jovens que leem e não raro se sentem solitários porque os amigos não compartilham suas leituras. Espero que, se houver netos para mim, sejam estranhos leitores no seu tempo, divertidos com os livros da grande biblioteca que possivelmente iremos lhes legar.
Tive filhos, tive misérias, mas nunca causadas por eles, com quem aprendi todo dia um novo modo de entender as coisas, estas que no fim das contas são muito parecidas, mas nunca iguais, nascidas da crise que é constante, como observou Edgar Morin, e que combatemos em oásis de felicidade, termo dele também.
Tenho igualmente muito amigos que não leram nada e que mal entendem do que eu estou falando. Mas, quando nos encontramos, rimos. Como perdemos essa possibilidade com a pandemia, de nos enroscarmos com vinho, nos lamentamos via memes, estes que considero uma grande invenção, mas que não têm o mesmo efeito de um comentário-soco em mesa de bar quando nele entra alguém.
Quem lê assim até pensa que sou do bar, mas sempre bebi mais em casa que fora dela. Meu marido é um pro, que identifica o bom da bebida entre o ruim. Eu também identifico, mas me envergonho por não saber as razões de superioridade ou inferioridade de qualquer coisa líquida, estas que ele descreve à perfeição.
Ele é bem perfeito em tudo, aliás, tem uma memória extraordinária e lê todas as coisas interessantes, muito mais do que eu. E não as dispersa pelo Facebook, como eu, carente da conversa alheia num círculo de amizades que a idade começa a fechar mais e mais. Ele guarda tudo para despejá-lo quase sempre na forma visual, condensada e difícil, da canção.
Por que estou dizendo tudo isto, não sei. Talvez por estar sorvendo estes dias livres, depois de pela primeira vez na vida ter trabalhado no dia 31 de dezembro (verdade, sempre forcei a sorte nos plantões de redação). Sou dispersa e desatenta de um modo geral, distraída pra morte, como dizia o Otto (aliás uma das coisas mais bem ditas da música popular), razão pela qual fotografo a rua com prazer.
Escrevo tudo isto com um dedo só no celular, e na cama, da qual demoro a sair de manhã, lendo ali mesmo, via internet, as notícias da barbaridade cotidiana. Fui jornalista que nunca admirou excessivamente os jornais, e não me lamento por ter perdido a gana, não só a grana, de comprá-los.
Nos últimos dias, os algoritmos têm me trazido as excepcionalidades, a natureza, um pouco menos de desesperança, razão pela qual agradeço.
Sim, é verdade que não vejo dilema em redes sociais, só escolhas, e até boas, muitas delas.
Tudo isto para dizer que tenho o coração tranquilo?
Nunca está.
Mas talvez por esta razão exista um infinito dentro dele, onde cabe você.