Eu não ia à aula de hidroginástica do Sesc havia algum tempo, quase três meses desde que me estabafei na calçada de casa, rompi totalmente um ligamento e só não precisei operar por um triz.
Voltei ao movimento sexta passada e constatei que nosso piscinão continua cheio. Uns trinta alunos pelo menos. Vi que tiraram o professor brincalhão de quem eu gostava. E puseram no lugar uma professora séria, disposta a que os velhinhos de todas as idades fortaleçam braços, abdômen e pernas com trilha sonora do passado, sem conversinha nos intervalos.
É chato, mas, quer saber? É bom também. Decidi ficar cantando baixinho, sozinha, enquanto sigo cuidadosa com os pés. Sei a maioria das letras. Hoje teve Wando, RPM, Sidney Magal, Rita Lee, Caetano, QI de Abelha, etc. No passado eu talvez reclamasse. Mas hoje isso é coisa demais. Amei de paixão ouvir o cringe todo que recheia nossa saudosa música popular.
No fundo da piscina ficam os mais altos e os que sabem nadar. Em uma classe com 30 pessoas, somos quase meia dúzia naquela região: eu, o senhor preto de mais de 80, a preta linda de uns 48 e duas senhoras de 80 muito altas, loiras e que me dão calafrios, pois imagino suas altamente hipotéticas simpatias nazistas. (Eu não consigo calar minhas fantasias, elas andam sozinhas.)
Bem, mas hoje, no alongamento, durante os cinco minutos finais de aula, a professora pôs “Apesar de você” pra rodar. Foi tão libertador. Uma das alemãs saiu. Eu chamei a professora no canto pra aplaudir a escolha. E ela: “Fiz de propósito! Vamos nos livrar domingo, com a bênção de deus!”
Ninguém mais comentou. Nem cantou, feito a boboca eu. Até que, no caminho pro chuveiro, me procurou a segunda alemã pra dizer: “Gosto tanto desta professora!” E eu, cautelosa: “Sim, ela é séria!” Para seu protesto: “Mais que isso, ela anima a gente!” Ecoei alívio: “Ô se anima!”
Que bom que enfrentei a manhã fria e escorregadia para curtir este momento delicioso de nossas vidas.
O único senão foi que, parafraseando Borges, não tiro mais da cabeça este mapa da Hungria:
“Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia.
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar.”