
Fiz esta foto hoje de manhã por trás da vidraça de um café na praça Dom José Gaspar, no centro de São Paulo, onde moro.
Eu contemplava a estátua de Dante Alighieri à distância quando o sem-teto se aproximou do lixo, para vasculhá-lo, em sua fome.
Coloquei-o no enquadramento apenas porque fazia sentido a presença desse personagem forte, a expressar a miséria brasileira, diante da representação do escritor que nos relatou a perambulação da alma humana pelas profundezas, pela culpa.
Mas só depois de fotografar e de publicar a imagem no Instagram, sob a legenda “Dante vê”, fui capaz de entender (sempre em parte) o que fotografei.
Ao rever a foto horas depois de tirá-la, enxerguei nessas espadas de são jorge em primeiro plano as chamas do inferno.
Alguém olha desde o inferno para este ser!
Quem?
Talvez todos saibamos. Talvez todos tenhamos contribuído para que nosso semelhante chegasse a esse lugar.
O mais interessante para mim, contudo, não é exatamente essa constatação.
A foto me diz mais.
Ela fala de mim, igualmente, sob outra perspectiva.
Fala de minha procura, feita à luz do dia, diante do mundo e da minha consciência.
Eu estou do lado de lá, como num sonho.
Sou eu o miserável que procura saciar a fome, à semelhança elegante do meu personagem sem-teto.
Mas que fome é a minha?
O que procuro entre os vestígios deixados por outros seres humanos?
E que inferno me localiza, me observa?
É incomparável o que a gente encontra depois de olhar o que fotografamos.
As escolhas de composição e enquadramento, fazemos por instinto, num instante.
Mas esse instinto que formata a imagem, na verdade, nasce antes, de um acúmulo.
De uma meditação contínua sobre o que somos, da confusão imagética e de conhecimentos que assimilamos pela vida.
Amo a fotografia de rua porque ela me permite acessar esse inconsciente, com aparente racionalidade, num segundo.
Ela me faz pensar.
Me faz ser.
Tenho fome de quê?