Ontem saí pra buscar trabalho. Um tempo angustiante fora de casa para uma reunião de três horas. Orai por nós, os precariados.
Hoje, porque não sou de ferro, saio rapidamente pra aproveitar a promoção do meu café querido, em grãos.
O local onde se dá a venda é um café-brinco, apesar de hipster, e ativo por Lula Livre. Na entrada, pisamos em um tapete com o Bolsonaro de boca aberta. O lugar está sempre cheio para lanches e drinks, porque singular na região, quiçá na cidade.
Pois bem. Hoje não há ninguém nas mesas naquele horário pós-almoço em que tomamos um café. Três funcionários atendem a dois clientes que vão levar rapidamente a promoção e sair. Contudo, em cada mesa, resta como um poema um lindo frasco pequeno de álcool gel.
É um cenário apocalíptico, mas inevitável. Espero que meus queridos hipsters sobrevivam, porque são bons. Não só o café é o melhor e mais barato. Eles também fornecem água filtrada de graça a todos, inclusive os sem-teto, a quem também distribuem cafezinhos.
Perto, entro numa farmácia pequena e peço própolis, que ontem já faltava na região. Mas ali eles ainda têm. E aproveito pra soltar a piada do álcool gel. Adoro ver a expressão de cada vendedor quando faço a pergunta. Este me responde da forma padronizada, mas com sinais de exaustão:
– Pff, senhora, álcool gel nem pensar. Ontem chegaram cem frascos às 10h e às 10h20 já não havia mais nenhum. Peço que o cliente tenha bom senso, mas ele vem sempre com uma desculpa: está levando pra mãe, pra sogra, pra avó.
– Esse maldito governo deveria limitar a compra, ao menos, não? – pergunto.
– Pff. – (ah, ele é perfeito). – Distribuíram camisinhas no carnaval. Então por que não distribuem álcool gel de graça?
Um VENDEDOR de farmácia, queridos.
Que momento para estar vivo, enquanto for possível estar.