Libertem sansão

A piada do cabelo deu o que tinha de dar

Sou uma curiosa do futebol. Na infância joguei no gol apenas por ser maior em altura que muitos meninos. Uma colega habilidosa, mais baixa que eu, encarava o ataque. Naquele tempo não vivenciávamos o jogo entre as mulheres e participávamos ocasionalmente das partidas dos garotos. Então, como forma de compensar a falta de bola no pé, dávamos tudo no handebol, onde éramos permitidas. Apesar disso, joguei botão com meu irmão e seus amigos. Mais que o álbum de figurinhas, o botão me trouxe a história do futebol. Um fã de Leônidas, meu pai foi o primeiro a me contar o passado do esporte no Brasil.

Vai daí que desde menina sei o que é vaidade de jogador. Jamais conheci um deles que evitasse se apresentar bem apessoado. Exceto alguns de pele branca, talvez, que em campo podiam se dar o luxo de chegar de cara lavada. Bellini, por exemplo, tinha os lábios torneados, o cabelo num quase topete natural, a pele clara, a ascendência europeia, a perfeita ossatura do rosto. Não dependia de mais nada para se estabelecer. Heleno de Freitas precisava dar mais duro, e orgulhava-se disso. Uma brilhantina e tanto naqueles cabelos. A elegância como um mandamento.

Quando retornou de uma temporada americana, nos anos 1960, Paulo Cézar Lima virou Paulo Cézar Caju. Sim, ele pintava de cor caju a cabeleira black em homenagem aos Panteras Negras. Junior também adotou o black power por longo tempo. Os bigodes eram fartos em Toninho Cerezo. A cabeleira solta de Falcão representava irresistível encanto para as mulheres. Sócrates também tinha cabelão e barba dos quais não arredava pé. A prática dos cabelos era muito importante para eles. E afirmativa, inusual em relação ao que ocorrera uma geração antes, quando os curtos de Pelé vigoraram. Ir ao cabeleireiro sempre existiu em futebol.

Sócrates compôs a gloriosa seleção de 1982, que perdeu para uma Itália mais eficiente em campo. E não me lembro de ninguém culpar o cabelo de Sócrates pela derrota. O Brasil perdeu, me disse certa vez o treinador de goleiros Valdir de Morais, porque o Batista, que deveria preencher a lateral, machucou-se. E porque, acrescentou, aquele não era mesmo o dia de ganhar. “A gente ouvia as moscas voando sobre nós depois do jogo”, me disse, entre outras coisas que talvez um dia eu coloque neste blog.

Parece idiota falar sobre isso porque, se a gente pensar em sucesso nesse esporte, jamais ligará o cabelo a ele.

Às vezes tenho vontade de dizer a meus amigos de facebook: deixem o cabelo do Neymar fora disso. Todo mundo cuida do seu, certo? E estamos quites. Os chargistas andam mal-humorados e repetitivos. Têm ódio de Neymar por motivos engraçados. E repetem a piada capilar não como catarse, sentido do humor, mas como uma espécie de vingança coletiva. Essa catexia, contrária à catarse, como ensina Elias Thomé Saliba, não nos libera nem alivia. Nos deixa sem graça, isso sim. É energia demais direcionada a um ponto só.

Se vocês frequentassem salões de beleza, saberiam que neles a gente relaxa um bocado. Enquanto usufruímos de cuidados, meditamos sobre a vida. Os salões podem até funcionar como salas de terapia. Contudo, enquanto os cabeleireiros existem para quase todos nós, os terapeutas são ocasionais.

Neymar vai ao cabeleireiro e por isso não joga o esperado?

Não consigo entender esta explicação cartunística.

O que se sabe é que, machucado, ele não pode treinar mais. Seu técnico avalia suas possibilidades no time. Tite é quem deve mandar. E não está nem aí para o penteado que ele usa, até onde eu sei.

Sendo um craque raro e igualmente rentável para empresa de seu pai, Neymar tampouco pode desprezar jogar uma copa do mundo, mesmo que sua condição física esteja distante da ideal. Estou quase certa de que ele não está roubando do treino pra cuidar do cabelo. Neymar cai? Cai bastante e é caçado em idêntica proporção. Neymar fala palavrão, propagandeia lingerie e cerveja? Até isto vi contar contra ele em um texto postado no facebook. Por fim, há quem diga que Neymar é feio, o que para mim não se sustenta, exceto por um gosto muito pessoal de observador, quiçá simples preconceito.

O futebol tornou-se um negócio imperativo. Neymar é estrela desse business que joga com muita sede. Mas não me prendo a isto para considerar seu futebol. E não é isso o que lamento nele enquanto figura pública. O que me entristece em Neymar é que se encontre cercado de mimos e ignorância, sonegue a receita e apoie o candidato que prometer livrá-lo do fisco pra sempre. Me parece lamentável o cárcere de conhecimento em que ele vive. Mas mesmo um encarcerado poderá jogar futebol na prisão. Aposto que um dia, quando tudo tiver fim, Neymar sentirá o que perdeu.

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