Uma foto é uma foto

Uma foto é o retrato de um momento, isto parece certo.
Mas um momento de quem?
Da realidade ou de quem fotografa?
Fotografia, escrita da luz em grego.
Isto quer dizer que existe um “escritor” por trás.
E a imagem não é, nem precisa ser, o retrato da realidade como ela foi.
Trata-se de um instante para o qual o fotógrafo determina tudo.
Ângulo, desenho, movimento, expressão, intenção.
Simples e pura capacidade de ver.
A imagem é fruto de sua decisão momentânea, de sua cultura, de seu modo rápido de perceber as coisas.
Sim, o fotógrafo é um autor.
Quando vcs analisam a foto de Richarlison abraçando calorosamente um Neymar imóvel, sabem mesmo o que está acontecendo enquanto a imagem se dá?
Se se trata do momento da comemoração do gol, significa necessariamente que Richarlison foi caloroso e Neymar, não?
Me lembro de prestar atenção quando Richarlison faz o voleio para a bola entrar no gol, a partir da imagem do drone. Vi o menino Sonega se mexer, dando um primeiro passo para a corrida até o gol, uma vez que contribuiu para que ele acontecesse. Mas não sei se correu de fato, porque o filme não continua a partir desse ponto.
Então, a foto, que aliás Richarlison postou no seu Instagram, sob a legenda “Ídolo”, com o comentário de emoticons e corações de Neymar, pode querer dizer apenas que Sonega estivesse já dolorido e Richie tenha ido até ele, para acolhê-lo. Pode querer dizer que Richie, como a gente espera, foi um ser humano incrível, abraçando seu ídolo num ato de compaixão, surpreendendo-o na sua dor, razão pela qual Sonega se mantém imóvel.
Sim, porque moeram o tornozelo de Sonega realmente, certo? E eu nem sei como, depois disso, ele ainda permaneceu de pé.
Interpretações são ótimas, principalmente quando acompanhadas de contexto. Porque, sim, uma foto não substitui mil palavras. Porque, como dizia Millôr, tente substituir essa frase por uma foto.
Foto é foto, palavra é palavra.
Vamos usá-las sabiamente.
Aguardo informações.

Futebol, guerra declarada, coração metafórico reunido

Pelé em campo, por
Luiz Paulo Machado

Me ligo neste assunto pela vivência afetiva, mas também histórica. Sei que o futebol acompanha o carrossel dos acontecimentos sócio-políticos. Que sua estrutura, nascida da diversão pré-colombiana de rolar a cabeça do inimigo e chutá-la, foi sendo estabelecida pelos milênios ao passo que mudavam as táticas de batalha. Laterais, defesa, ataque, marcação homem a homem ou por zona? Posicionamentos de guerra. As invenções de Napoleão, incorporadas. 

Futebol é combate e o campo, um templo para os fans, os torcedores, os fanáticos. Um homem guarda sua virgem pátria no gol, sob pena de ela ser arrebentada pelo opositor. 

Melhor que choro e fúria, então, a tática. Porque antes era um amontoado em campo, como no calcio storico fiorentino, onde todo mundo junto (ainda) persegue a bola. Como naquele atraso do rúgbi, sangue e lama lambuzam o corpo de quem luta. Futebol tem muito disso também, como uma recordação de origem, constituindo, ao mesmo tempo, uma sensação evolutiva.

Por isso há um compasso mágico do futebol com a realidade política – ela está implícita nele. Talvez grandemente em razão disso tenhamos perdido para a Alemanha por sete a um em 2014, porque naquele instante mesmo começava o desmoronamento de um país. E quem sabe a juventude volte neste momento, concentrada, mágica e inventiva, para desfazer o golpe dos bárbaros, que só agora parece ser entendido quase universalmente como um barbarismo.

Futebol, guerra declarada, coração metafórico reunido.

Não brinque com futebol!

Rafael Leão, o gato

Quando um filme é ruim demais, minha cabeça viaja pelos penteados dos atores, geralmente piores ainda. E dou um jeito de me divertir pelo menos com eles.

Uma vez, num filme ruim com o Richard Gere, ri tanto dessa situação peculiar que transpareci meu humor na crítica para a IstoÉ, onde eu trabalhava. E comecei a usar isso como mensagem subliminar, quem sabe um leitor a captasse (nenhum captou): “Quando ela critica penteado, é porque nada no filme prestou.”

Bem, agora estou aqui a ver Portugal e Gana, e é assim: não é que Portugal jogue mal, mas também não é que jogue bem. Marcou um gol de pênalti, mas sei lá se foi pênalti de fato. E virou o jogo porque joga mais, em duas saídas de bola, oportunistas, etc. Gana, que empatou depois do erro do zagueiro português e seguiu com outro gol bonito, não fez quase nada no jogo exceto se defender. Que mania a desses técnicos de recuar a vida, deus meu!

Não é um jogo que me obrigue, portanto, a chegar à raiz dos cabelos, visto que coisas ali trazem a marca do futebol, como a emoção, e me divirto no fim.

Mas eu olho. Não só cabelos. Coxas. Gente alta! Me irrita o Salonpas do João Félix que fica caindo do pescoço. Quem é o mais bonito em campo? Eu fico com o Rafael Leão, o autor do terceiro gol português. Na torcida de Gana as mulheres são maravilhosas e pulam o tempo inteiro, que animação, pena que seja gente rica humilhando os pobres na terra natal!

Mas pensam que é fácil ficar comentando assim na minha casa? Não. Futebol é religião. Não se aconselha ninguém aqui a rir do cabelo de José durante o parto de Jesus.

Pena, me restou amolar vocês!

O fim do mundo como você o conheceu

Curioso como um horizonte do futebol que eu julgava eterno está mais ou menos perdido.

Talvez por culpa do próprio futebol, domesticado como tem vindo.

Na minha infância e na minha vida de mãe de crianças esportistas experimentei outra realidade.

Coisas como drible, passada, enrolação de tempo, teatro, falta, drama, cambalhota, empurrão ou fingimento eram necessidades do espetáculo.

E quando roubávamos a bola e fazíamos o gol, lutando dentro das regras com nossas armas não-violentas, nada mais importava.

Lealdade nunca significou ter um fraque em campo.

Os príncipes destacavam-se justamente pela majestade.

E o time, coisa imperfeita, especializava seus ilusionistas.

Como reclamaríamos da malandragem do jogador vencedor, especialmente se pertencesse ao nosso time?

nós não entendemos o verbo vencer

@Rosane Pavam

não sei bem qual é a do ator inglês contra ele,

nem do pai do goleiro dinamarquês, o importante,

muito menos sei por que usar suas declarações como argumento de autoridade,

embora talvez suspeite a razão da bronca do técnico mexicano.

só não entendo mesmo é o porquê da ira brasileira, meus amigos, meus inimigos.

a motivação para um sentimento que ecoa no espaço sideral (redes sociais é melhor?) contra nós mesmos, apesar de havermos vencido um jogo importante.

parece que ninguém está feliz.

parece que o méxico era time fácil de bater, vindo de vitórias como aquela contra a alemanha.

nós não entendemos o verbo vencer.

parece que ninguém mais na copa, além dele, atua para as câmeras, que agora realmente podem decidir (a burrice do videotape) sobre lances capitais.

parece que somos um lixo irremediável, e que lakaku, de origem pobre no futebol, representa um fenômeno desconhecido, razão pela qual ganhará de antemão o próximo jogo.

casemiro, william, firmino, gabriel, marcelo, alisson, thiaguinho, fagnerzinho, titinho, coutinho, paulinho e rolinho, tudo tão pequenininho quanto o canarinho pistola.

ninguém inventou nada melhor do que complexo de vira-latas pra explicar o brasileiro, nelsinho de deus.

Les bleues de vez

pensei.

di maria é tão bom.

a cara e o corpo do jogador dos anos 1940.

vou torcer pra argentina, vai.

pra essa bagunça toda, pro treinador-torcedor com a tatuagem “outubro” em vermelho no braço.

a cara do latino-americano esse time, pensei, dependente de raça e talento individuais para o time avançar, sem se dar conta, contudo, que deixa avenidas pro inimigo organizado e adulto percorrer…

mas daí me lembro outra vez que não há negros nessas seleções argentinas, reflexo de histórico extermínio, enquanto na França é bem o contrário…

Pogba, gigante africano correndo em batalha, picado pelos pigmeus. Um Mbappé alegre e oportunista, que o Brasil teve às centenas no seu futebol. E esse técnico ponderado, racional e emocional em suas ações e declarações, a soma dos saberes que é preciso possuir pra exercer o esporte-metáfora com a velha galhardia.

Tudo isso me faz olhar por cima do muro, embora preferisse que os dois lados usassem menos as mãos…

Com os gols inacreditáveis da França, tão bem testemunhados por essas câmeras-drones, grandes lançamentos sem erro no espaço e no tempo, e com Maradona em sono profundo, viro Les Bleues de vez.

Auf Wiedersehen

Vocês são chatos e desinformados.

Temos um Philippe Coutinho extraordinário no time.

Um Paulinho que faz gol memorável, mas não comemora nem sorri.

Um Thiago Luiz sem choro desde o desastre de 2014.

O mesmo Thiago declarou hoje, em entrevista oficial à Fifa na saída do campo, que seu mestre (Tite, imagino) lhe disse que ele ainda precisa aprender a sofrer.

Vocês têm a acne do goleiro hipster de olhos claros.

Vocês podem pronunciar o melhor nome de jogador brasileiro em muitos anos, Ca-se-mi-ro, um menino criado exclusivamente pela mãe, como é, em grande parte, a educação dos meninos do futebol no Brasil.

Vocês possuem histórias em cascatas, hipérboles e anedotas.

Mas vocês acabam sempre em gifs de Neymar rolando em campo até a Patagônia.

Que coisa mais velha, mais John Travolta em meme de Pulp Fiction!

Criadores, de que servem suas criações?

Vocês não perceberam ainda?

Vou ser obrigada a lhes explicar até isso?

Não tem nada de novo no rolinho do Neymar, camaradas!

FUTEBOL É ENROLAÇÃO!

Contanto que o goleiro fique no gol…

Auf Wiedersehen!

Libertem sansão

A piada do cabelo deu o que tinha de dar

Sou uma curiosa do futebol. Na infância joguei no gol apenas por ser maior em altura que muitos meninos. Uma colega habilidosa, mais baixa que eu, encarava o ataque. Naquele tempo não vivenciávamos o jogo entre as mulheres e participávamos ocasionalmente das partidas dos garotos. Então, como forma de compensar a falta de bola no pé, dávamos tudo no handebol, onde éramos permitidas. Apesar disso, joguei botão com meu irmão e seus amigos. Mais que o álbum de figurinhas, o botão me trouxe a história do futebol. Um fã de Leônidas, meu pai foi o primeiro a me contar o passado do esporte no Brasil.

Vai daí que desde menina sei o que é vaidade de jogador. Jamais conheci um deles que evitasse se apresentar bem apessoado. Exceto alguns de pele branca, talvez, que em campo podiam se dar o luxo de chegar de cara lavada. Bellini, por exemplo, tinha os lábios torneados, o cabelo num quase topete natural, a pele clara, a ascendência europeia, a perfeita ossatura do rosto. Não dependia de mais nada para se estabelecer. Heleno de Freitas precisava dar mais duro, e orgulhava-se disso. Uma brilhantina e tanto naqueles cabelos. A elegância como um mandamento.

Quando retornou de uma temporada americana, nos anos 1960, Paulo Cézar Lima virou Paulo Cézar Caju. Sim, ele pintava de cor caju a cabeleira black em homenagem aos Panteras Negras. Junior também adotou o black power por longo tempo. Os bigodes eram fartos em Toninho Cerezo. A cabeleira solta de Falcão representava irresistível encanto para as mulheres. Sócrates também tinha cabelão e barba dos quais não arredava pé. A prática dos cabelos era muito importante para eles. E afirmativa, inusual em relação ao que ocorrera uma geração antes, quando os curtos de Pelé vigoraram. Ir ao cabeleireiro sempre existiu em futebol.

Sócrates compôs a gloriosa seleção de 1982, que perdeu para uma Itália mais eficiente em campo. E não me lembro de ninguém culpar o cabelo de Sócrates pela derrota. O Brasil perdeu, me disse certa vez o treinador de goleiros Valdir de Morais, porque o Batista, que deveria preencher a lateral, machucou-se. E porque, acrescentou, aquele não era mesmo o dia de ganhar. “A gente ouvia as moscas voando sobre nós depois do jogo”, me disse, entre outras coisas que talvez um dia eu coloque neste blog.

Parece idiota falar sobre isso porque, se a gente pensar em sucesso nesse esporte, jamais ligará o cabelo a ele.

Às vezes tenho vontade de dizer a meus amigos de facebook: deixem o cabelo do Neymar fora disso. Todo mundo cuida do seu, certo? E estamos quites. Os chargistas andam mal-humorados e repetitivos. Têm ódio de Neymar por motivos engraçados. E repetem a piada capilar não como catarse, sentido do humor, mas como uma espécie de vingança coletiva. Essa catexia, contrária à catarse, como ensina Elias Thomé Saliba, não nos libera nem alivia. Nos deixa sem graça, isso sim. É energia demais direcionada a um ponto só.

Se vocês frequentassem salões de beleza, saberiam que neles a gente relaxa um bocado. Enquanto usufruímos de cuidados, meditamos sobre a vida. Os salões podem até funcionar como salas de terapia. Contudo, enquanto os cabeleireiros existem para quase todos nós, os terapeutas são ocasionais.

Neymar vai ao cabeleireiro e por isso não joga o esperado?

Não consigo entender esta explicação cartunística.

O que se sabe é que, machucado, ele não pode treinar mais. Seu técnico avalia suas possibilidades no time. Tite é quem deve mandar. E não está nem aí para o penteado que ele usa, até onde eu sei.

Sendo um craque raro e igualmente rentável para empresa de seu pai, Neymar tampouco pode desprezar jogar uma copa do mundo, mesmo que sua condição física esteja distante da ideal. Estou quase certa de que ele não está roubando do treino pra cuidar do cabelo. Neymar cai? Cai bastante e é caçado em idêntica proporção. Neymar fala palavrão, propagandeia lingerie e cerveja? Até isto vi contar contra ele em um texto postado no facebook. Por fim, há quem diga que Neymar é feio, o que para mim não se sustenta, exceto por um gosto muito pessoal de observador, quiçá simples preconceito.

O futebol tornou-se um negócio imperativo. Neymar é estrela desse business que joga com muita sede. Mas não me prendo a isto para considerar seu futebol. E não é isso o que lamento nele enquanto figura pública. O que me entristece em Neymar é que se encontre cercado de mimos e ignorância, sonegue a receita e apoie o candidato que prometer livrá-lo do fisco pra sempre. Me parece lamentável o cárcere de conhecimento em que ele vive. Mas mesmo um encarcerado poderá jogar futebol na prisão. Aposto que um dia, quando tudo tiver fim, Neymar sentirá o que perdeu.

Não tem mais bobo no futebol

Na sala de espera do consultório do oftalmo, o senhor vestido de terno diz à senhora elegante, na mesma faixa etária dos 70, sentada a seu lado:

– Já que seus olhos estão ruins mesmo, eu te levo pra casa e vc não vai saber se está na sua casa ou na minha.

Ela se vira.

– Mas que cantada mais antiga! Isto nem pode ser chamado de paquera! E vamos logo ao jogo, porque esta pode ser a última copa do Iniesta.