Desde que soube que Biroliro se casaria com uma psicóloga, comecei a imaginar o consultório dela. A decoração mesmo. Tons pastel, paredes brancas, um quadro com foto azul do Caribe, um busto de nossa senhora tingido no artesanato, próximo do janelão que dá pro Corcovado.
Imaginei também uma sala contígua onde a profissional daria palestras, com carteiras para anotações. E uma secretária-recepcionista negra de brincos argola e cabelo curto rente, ereta e afiada no excel, a receber os candidatos com futuro (grana).
Depois imaginei o público. Pacientes, quero dizer. Arrivistas. Juventude doirada dos trigais do Rio, homens feitos com os cabelos penteados molhados pra trás, camisa social por dentro da calça jeans slim. Mulheres com estampas Animale alouradas na progressiva, brincos pequeninos de zircônia, colares fininhos de ouro com pingentinhos de lua e tao.
As consultas seriam pura praticidade. Um rosário de incentivos, melhor seria dizer comandos: você pode, você deve, você merece. Você, você. Uma citação aqui e ali de comédias românticas. Lição de casa: ver Ryan Gosling na netflix.
Há muito tempo que certa “psicologia”, chamemos assim, foi tomada pela mentalidade coach. Se bem que no caso da esposa do Biro, está mais pra coachella. Uma coachella gospel. Mas, admitam, os coaches chegaram pra amarrar os descabidos. Ou é coach ou é química, você escolhe.
Não li a matéria que o grupo Globo publicou, e agora comicamente condena, sobre a alcova de escritório. E nem sei por que não li. Talvez porque tenha pensado: “Mas já sei como essa mulher é, já sei como decorou seu consultório”. E essas matérias, por nada terem de um Joel Silveira, nenhuma elucubração imaginativa de escritor, e por serem mais como listas de inventário, falam pra leitores que não eu.
Sei, contudo, da frase genial que marcou o texto pra história. Aquela em que Coachella diz ao repórter que Biro é seu “case de sucesso”. É de dar match, como disse a jornalista tinder no roda viva. Uma das frases do ano, se ainda fazem frases do ano nas retrospectivas.
Então por que condenar o repórter? Tenho pena porque primeiro ele foi incentivado e convencido a fazer, agora se viu escorraçado, se não ameaçado de morte, justamente por ter cumprido sua tarefa. Isto não se faz, Globo. Você não anulou o perfil do Astrólogo do balacobaco, também obtido sem consentimento. Tenha a decência.
Uma vez, nos meus vinte e tantos anos, quis saber como a TFP funcionava por dentro e bati numa porta deles, simplesmente pedindo pra entrar. E o cara: você é jornalista? Fiquei brava. Como me descobriu na lata? A TFP veta mulheres, e eu não queria acreditar.
(Uma curiosidade é que muitos figurões não dão entrevista pra mulher. Delfim Netto nunca quis me dar. Em sua biblioteca só entravam homens. Seria um texto sobre seus livros, a pedido de um dos ases da direita adocicada: Daniel Piza. Nem assim.)
Nunca fiz uma matéria nesses moldes incentivados pelo grupo Globo, mas se insistissem comigo, por meu emprego, talvez fizesse. E não fiz talvez porque tenham visto de cara que não sairia boa. Sou muito transparente, longe de uma expert em teatro ou fingimento pra improvisar um personagem e ser convincente dentro dele.
Ah, Rosane, mas como fica a moral? Não acho que questão moral impeça jornalistas. O jornalismo é moralmente injustificável. A frase é do Paulo Francis, das poucas que ele disse bem.