Um filme que todos mereceríamos ver

“Precárias e Resilientes”, o longa-metragem documental
de Luan Cardoso sobre a luta das mulheres da periferia, aguarda financiamento para ser finalizado, já que a prefeitura de São Paulo
não pagou a segunda parte necessária à conclusão do projeto

Renata Adrianna, de uma ilusão de igualdade à vida periférica

Luan Cardoso é um cineasta da luz reflexiva, íntima. Luz de quem pensa. Ele a tem estendido a muitos músicos, como Rodrigo Campos, nos últimos anos, e é como se, através dela, compreendêssemos um pouco o misterioso processo criativo de todo artista.

A luz certa é tão difícil de obter. Exige olhar o personagem com sua densidade, ao mesmo tempo que com sua leveza; seu volume, mas também a superfície. Em 2017, Luan ganhou um edital da Prefeitura de São Paulo para estender essa observação aguda às mulheres de todos os lugares periféricos, de modo a que elas nos contassem suas histórias de superação. Pessoas com seus problemas, sim, tão duros às vezes, mas gente sorridente também, disposta ao enfrentamento com altivez.

O que sobrou de uma ocupação após a passagem do trator, conforme uma narrativa em off

O problema agora é que, tendo realizado os depoimentos, o cineasta procura meios para finalizar o documentário, que já intitula “Precárias e Resilientes”. A municipalidade decidiu não lhe dar o dinheiro que faltava para apresentar o longa-metragem  _ este que sem escusas, por exemplo, condena, por meio de depoimento em off, uma violenta desocupação de sem-teto. A questão é que esconder este filme da Quixó Produções representaria um vazio a mais na nossa cultura combalida. Uma obra tão essencial, se finalizada até março, alcançaria o mês das mulheres que lutam e expõem sua luta.

Em “Precárias e Resilientes”, Luan Cardoso traz à luz uma cabeleireira, uma faxineira, uma atriz, uma artista plástica, escritora, dona de casa, dona de casa sem casa, dona de casa homossexual, mãe de filhos mortos… E, conduzidos com naturalidade, seus depoimentos nos fazem aquele retrato nítido do Brasil excludente dos direitos das mulheres, ademais negras ou pobres.

Raquel Trindade, artista, professora, artista plástica, um sorriso de resistência

Há a senhora que vai ao julgamento sobre a morte de seu segundo filho, estraçalhado feito um porco, e exalta-se diante da juíza ao apontar a autoria naqueles policiais no banco dos réus. A cabeleireira que, militante do movimento negro, vê no mote evangélico um subsídio essencial à luta: o amor. Uma atriz branca que não se deu conta, na infância, da mãe sacrificada em seus ganhos como doméstica enquanto ela estudava, via desconto salarial, em um bom colégio de Recife. Dois depoimentos importantes de mulheres que recentemente nos deixaram, a artista plástica e professora Raquel Trindade e a escritora Tula Pilar Ferreira, ativam-nos ao otimismo, à força que é preciso ter para vencer o racismo que cresce todos os dias.

“As pessoas são diferentes, não anormais”, diz Genaína Dias. Sua fala é essencial ao filme e à vida. A mentalidade fascista que toma nosso entorno esqueceu-se do princípio de igualdade na diferença, algo que “Precárias e Resilientes”, quando concluído, nos ajudará um pouco mais a perceber.

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