Pra que serve um editor?

Com Chico Anysio em seus últimos dias, no apartamento da Barra, 2010

Adorei umas partes do discurso do Lula, que li só agora. Esta me fez levantar da cadeira:

“E eu, como acho que tenho um pouco de experiência, fiquei feliz com a verdade, porque é pra isso que servem os meios de comunicação. Jornalista não existe pra sair pra rua pra cumprir a ordem do editor.”

Certíssimo!

Quantas vezes me senti coagida a escrever a verdade “exigida”, enquanto redatora de notícias? E aceitei isso pra garantir a droga do pagamento?

E quantas vezes, por outro lado, quando editora, pedi para os repórteres me trazerem a notícia e eles me retrucaram “que notícia”, achando que não tinham sido pautados direito? Como se eu tivesse que saber de antemão as coisas que eles deveriam descobrir? E quantas vezes meus chefes, editores executivos e diretores de redação, quiseram mudar o que eu escrevi enquanto repórter e colocar a sua própria “verdade factual”, simplesmente, no meu texto? Como se a verdade fosse uma questão de hierarquia? Como se eles pudessem mudar o fato, por exemplo, de que Tom Jobim foi um compositor importante?

Uma vez a coisa ficou até engraçada, porque escrevi minha reportagem sobre o Chico Anysio, humorista que eu entrevistei lá no Rio, e tive de mostrar meu texto pro diretor de redação ler, o Senhor Democracia, o SDM. E ele me disse o seguinte sobre determinado trecho: “o Hélio Souto não foi o cara que inspirou o Chico Anysio a fazer o Alberto Roberto”. E eu retruquei: “mas foi o que o Chico Anysio falou”. Mas ele: “Mas não é verdade.”

E eu: “Seu SDM, foi o que o Chico disse e acho que ele sabe mais do que nós o que ele próprio fez. Se o sr. quiser, o sr. tira o trecho todo, porque ninguém vai precisar dessa informação pra viver. Mas eu só vou assinar esta reportagem se nela estiver escrito o que o próprio Chico Anysio me contou sobre a origem de sua criação”.

E pronto.

E ele deixou eu publicar como eu tinha escrito.

“Deixou” eu publicar a verdade, entende?

Então eu amo ouvir isto partido de Lula – isto de que o repórter não tem de obedecer à verdade que o editor quer ver publicada -, embora morra de rir sabendo que Lula é amigo de SDM e lhe dita as pautas por telefone.

A vida é assim, o Brasil é assim, e o jornalista… O jornalista é menos que assim!

E é mesmo para desobedecer as tantas vontades pessoais sobre a verdade que o jornalismo deveria existir.

💜

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