
feita nos anos 1980, esta imagem me abriu uma possibilidade para a fotografia e para a vida.
eu era jovem e impetuosa. (talvez me reste algum ímpeto, às vezes.)
nos meus 20 anos, emocionei-me ao conseguir esta imagem para um trabalho de faculdade.
minha intenção era somente clicar a bela janela do bixiga, bairro onde eu morava, com a olympus portátil que uma colega me emprestara. mas eis que esta senhora apareceu. pedi-lhe que se virasse pra mim e ela não se virou. ficou assim, olhando o infinito, por um bom tempo. minha timidez me perguntava se eu deveria clicá-la sem que me autorizasse. minha ousadia decidiu por mim. a senhora não se importou com a foto que eu fiz.
somente depois descobri que fotografia de rua é feita principalmente assim. com o senso claro de que algo está sendo tirado de quem não nos vê. ou, como dizia meu querido e divertido flavio damm: “aproximar-se como um gato, fugir como um rato”, eis o que um fotógrafo de rua deve fazer.
só assim, meio caçadores, meio ladrões, obtemos a imagem límpida, não preparada, desnuda, a verdade por um segundo, principalmente a nossa, e então para sempre.
e será nosso dever devolvê-la ao universo como uma leitura digna, divertida ou dramática, da situação vivida. uma oferta à humanidade.
quem acolheu com assombro esta foto (e as outras do trabalho) foi meu então professor, tornado amigo para sempre, carlos moreira, para mim um dos mais extraordinários fotógrafos do mundo. me deu nota dez.
carlos me ensinou toda a base do que sei, em tantas conversas que acabávamos por fazer, durante curiosos e intensos encontros que aconteciam entre nós de dez em dez anos, a maioria deles gravados.
ultimamente, a seu pedido, eu vinha escrevendo um livro sobre sua vida. nos dávamos bem, ele me contava quase todas as coisas. mas acho difícil, por uma série de razões, que esse livro saia um dia.
choro em pensar que não tenho mais o carlos a meu lado. suas conversas sobre fotografia eram aulas para a vida. pura filosofia, em estado de beleza.
sempre soube que sofreria com sua partida, que fará dois anos logo mais, embora tudo dele ainda viva em mim.
eu apenas não previ que a dor seria tão grande.
e o vazio.