Obrigada, sr. Kudo

Eiichi Kudo, o diretor
de “Onze Samurais”

Todos conhecemos Os Sete Samurais e amamos Akira Kurosawa, possivelmente, mais do que muitos outros diretores de cinema dos tempos todos. Mas quantos de nós já ouvimos falar do Onze Samurais de Eiichi Kudo, e de Kudo ele-mesmo? Seremos poucos. Eu, por exemplo, não o conhecia até ontem. Creio que padeço de ignorar em grande parte o mais belo cinema imaginado ou feito.

A inútil vingança

E é por isso que as mostras de cinema da atualidade me dão tão poucas esperanças. Elas não me levarão até eles. Filmes como Onze Samurais, que constroem imaginação e liberam consciência, não podem ser mais feitos. Reais a ponto de os galhos se emaranharem diante da câmera na hora devida, de o sol penetrar inteiro na clareira de uma floresta que se fecha quando o guerreiro vislumbra sua tarefa. Um filme sobre tempestades.

Sangue sob chuva

Acho que padecemos de ver. Esquecemos de sentir. Nossos filmes atuais são até capazes, e muito, de perceber que temos problemas. Eles identificam dores. Mas, além de identificar, o que o cinema deve fazer? Penetrar, não é? Ser cinema. Ser a intensidade, a linguagem, o som, o movimento, a hora do sonho e do desvelo. Mas estamos muito ocupados identificando coisas para que penetremos nelas.

A face do amor

Onze Samurais foi feito em 1967 e é assim. Uma penetração (gosto da palavra) no profundo cinema desde os minutos iniciais, quando uma coreografia de cavaleiros, seus chapéus, quimonos, armas, sai atrás de um animal inocente, para satisfazer um senhor insensível. Um cinema desses nem precisaria ter som, mas tem, pós-colocado em descompasso, sonoplastizado, a indicar que estamos diante de um filme, de um pensamento visual que constrói o drama a partir da coreografia, da beleza fragmentada em inúmeros pedaços.

Nos pedaços da paisagem

Eiichi Kudo (1929-2000) não viveu tanto, 71 anos, para a quantidade de filmes que fez, 30 deles entre os anos 1956 e 1998. Nos anos 1970, sobreviveu da televisão e de suas sagas. Por “Onze Samurais”, que fecha uma trilogia, entendemos suas razões. Seu filme contém a vibração cinematográfica de toda a história. Tem Kurosawa ali percorrido, do mesmo modo que Godard, guerra, amor, paz, Shakespeare, Tolstoi.

E, ainda assim, eis um filme inocente, sobre arrogância e descoberta, solidariedade e vingança, sobre o ardor desperdiçado que é viver.

Não se pode existir o tempo todo para fazer filmes assim.

Senhor Kudo, obrigada pelo que nos deu.