nada mudou para mim.
todos os dias,
tenho um sonho
ou um desapontamento,
expresso um viva
ou um desejo de
não haver me
colocado onde estou.
todo dia, um
arrependimento
se cola ao meu ardor.
não há peste que altere
o lento, por vezes radiante,
mastigar das coisas.
Dois ponteiros
não é sempre,
mas de repente
nenhum livro serve.
uma tristeza,
amor demais.
os anos passam,
correm por mim,
atropelam a mim.
a torre, o refúgio,
não tenho céu
nem mar.
ouve o que eu digo
vivo entre as britadeiras de são paulo.
quando não britam no andar de cima, britam aqui dentro.
para superar esses ruídos, que calam a calma, as pessoas acostumam-se a gritar.
gritam lá embaixo, agora, enquanto tento escrever.
não deve ser assalto desta vez.
minha rua tem muitos sem-teto, às vezes fixados nos bancos do calçadão.
falam consigo, com seus cães e com um ser que somente eles podem ver.
desta vez, a voz potente com aflição (creio que de um negro, rivalizando com os britos cheia de docilidade) agita-se.
grita, aparentemente, com alguém que eu poderia ver.
como se falasse comigo.
“ouve, porra, o que eu digo! ouve!”
ou falasse por mim.