Exposição na Pinacoteca de São Paulo faz ampla retrospectiva da obra do artista em comemoração a seus 120 anos de nascimento

Aos poucos, é possível que nós, os não-colecionadores, os nem tão sábios da memória pictórica coletiva, estejamos ao ponto de esquecer Di Cavalcanti e o que representou para a história da arte. Sua passagem pelo modernismo talvez se destaque em demasia nesse panorama e, por esta razão, julguemos velhas ou impossíveis, pertencentes a um outro período de incorreção, suas mulatas avantajadas. Mas, se nos esquecemos de quem foi Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo (Rio de Janeiro RJ 1897 – idem 1976), a Pinacoteca de São Paulo se encarregará de nos lembrar. Di pertence a nosso imaginário, a um inconsciente coletivo constantemente acessível.

Ele não pintou apenas mulatas. Antes que atuasse como correspondente do jornal Correio da Manhã em Paris, em 1923, frequentasse a Academia Ranson e convivesse com os maiores artistas e escritores europeus de vanguarda, como Picasso, Braque, Léger, Matisse, Cocteau ou Blaise Cendrars, nem mesmo incorporara as cores claras a suas telas a óleo. Porque desenhava e pintava com muita precisão, até facilidade, sua composição exata caminhava por muitos estilos e provava a atualização, à moda do que fizera Portinari ao flertar com as intervenções geométricas. Di caminhou do art nouveau ilustrativo ao autorretrato reflexivo e à tridimensionalidade das vanguardas.

A exposição No subúrbio da modernidade – Di Cavalcanti 120 anos reúne cerca de 200 pinturas, desenhos e ilustrações (que incluem capas de livros e discos) a integrar algumas das mais importantes coleções públicas e particulares do Brasil e de outros países da América Latina, como Uruguai e Argentina. Neste trabalho, o curador José Augusto Ribeiro afirmou ter pretendido investigar como o artista desenvolveu uma ideia de “arte moderna e brasileira”, considerado o sentimento de atraso percebido no Brasil de então em relação à modernidade europeia no começo do século XX.

“O título se refere aos lugares que o artista costumava figurar nas suas pinturas e desenhos: os bordeis, os bares, a zona portuária, o mangue, os morros cariocas, as rodas de samba e as festas populares – lugares e situações que, na obra do Di, são representados como espaços de prazer e descanso”, diz o curador no release de apresentação da mostra.
Di começou a vida na arte como caricaturista e ilustrador da revista Fon-Fon, em 1914. Em 1917, residiu em São Paulo, onde frequentou o curso de Direito no Largo São Francisco e o ateliê de Georg Elpons. Conviveu com artistas e intelectuais paulistas como Guilherme de Almeida, Oswald e Mário de Andrade. Foi o principal organizador da Semana de Arte Moderna de 1922, onde expôs 12 obras.

Em 1926 filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e, depois de três prisões, entre 1934 e 1936, recusou o comunismo para se declarar cristão em 1940. O presidente João Goulart o designou adido cultural do Brasil em Paris no ano de 1963. Na capital francesa, recebeu a notícia do golpe de 1964 e, quinze dias antes de sua posse, viu-se demitido.
Em 1930, publicou o álbum A Realidade Brasileira, uma sátira política que identifica na ação predatória norte-americana, no militarismo e na bonomia dos pensadores os grandes males do País. Apenas as ilustrações deste álbum valeriam uma visita à Pinacoteca. Trata-se de doze desenhos originalmente realizados em nanquim. Os trabalhos combinam textos e desenhos assemelhados a charges, influenciados pela ilustração icônica que resultaria em Belmonte. Di critica o conservadorismo moral da sociedade brasileira, a igreja católica, o autoritarismo do Estado policial, a posição periférica do Brasil nas relações internacionais, as desigualdades sociais brasileiras e os intelectuais que romantizavam a “brasilidade”.
Porque vivemos um Brasil antigo e inominável, Di Cavalcanti nos socorrerá para desmascará-lo.
Rosane Pavam

No subúrbio da modernidade – Di Cavalcanti 120 anos permanece em cartaz até 22 de janeiro de 2018 no primeiro andar da Pina Luz (Praça da Luz, 02, São Paulo). A visitação é aberta de quarta a segunda-feira, das 10h às 17h30, com permanência até 18h. Os ingressos custam R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia). Crianças com menos de 10 anos e adultos com mais de 60 não pagam. Aos sábados, a entrada é gratuita para todos os visitantes. A Pina Luz fica próxima à estação Luz da CPTM. Entre 12 e 14 de outubro próximos, a entrada no museu será gratuita.