Pier Paolo Pasolini (1922-1975) não teve tempo para desenvolver a ideia, mas planejou estudar o Terceiro Mundo por meio de sua obra. De volta à Itália, na companhia de algumas pessoas, dentre as quais Maria Callas, depois da apresentação de “Medeia, a feiticeira do amor ” (1969) no Festival de Mar del Plata, o diretor fez uma escala no Rio de Janeiro e de lá rumou para Salvador. O avião que ocupava pousou de emergência no aeroporto do Recife na viagem de ida, em 13 de março de 1970. Enquanto aguardava a nova hora de partir, o diretor escreveu o poema a seguir, traduzido ao português por Mariarosaria Fabris.

COMUNICADO À ANSA (Recife)
Porque é um fato de crônica, começa
com um pouso de emergência no Recife.
Aqui chove; no aeroporto em construção, passando diante de um grupo de peões que trabalham, olhos se erguem para os passageiros.
É assim que o Brasil me saúda.
Retribuo a saudação com meu coração burguês
que já sabe o que recebe pelo que doa.
Nesses bancos desolados, à espera de um novo avião, de emergência, não há nada de novo: eu sei quais as novas.
O corpo não banhado e a melancolia.
Minha companheira com sua ansiedade, no morno ar da chuva,
e sua sede de graça: cegada para sempre –
este peso que nós, burgueses, carregamos no coração
por tudo o que não sabemos e a ânsia de louvores,
por isso a vida nos cobre como uma veste úmida e suja,
e os poucos momentos de felicidade logo viram lembranças,
e nos vangloriamos; e o peso aumenta,
as chagas de um insucesso obrigam a calmarias consoladoras,
a cômicas levantadas de ombros,
a hilaridades superiores,
lá sentados nesses bancos desolados do Recife.
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